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Foto do escritorUriel Araujo

A eleição em SP e o Brasil

De acordo com certo senso comum, existe uma noção  de que São Paulo (seja o Estado ou a prefeitura da capital) seria necessariamente uma espécie de trampolim para a presidência da República - por ser o maior município do país, demográfica e economicamente. Isso, claro, não é necessariamente verdade. Verdade seja dita, o centro de gravidade cultural e imagético do país permanece na antiga capital nacional, o Rio de Janeiro. Na prática, seja como for, após o fim da República Velha (a chamada República do Café com Leite), com a única exceção de Jânio Quadros, nenhum ex-prefeito da capital paulista e nenhum ex-governador de São Paulo tornou-se Presidente do Brasil. Michel Temer, alçado à presidência por uma espécie de acaso político (na falta de termo melhor) nunca foi, em São Paulo, nem prefeito nem governador. Já o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso foi, na capital, candidato a prefeito, mas perdeu - para Jânio Quadros. Quanto a Lula, tinha, de fato, base no chamado ABC paulista, mas, antes da presidência, jamais ocupara cargo executivo. Itamar Franco, por sua vez, fez carreira política em Minas Gerais; Collor e Sarney, na região Nordeste. Voltando um pouco mais no tempo, Dutra era uma figura gaúcha, assim como Jango; e Juscelino Kubitschek era mineiro. Em todo caso, diante do cenário eleitoral atual, a cidade de São Paulo está, de certa forma, sob os holofotes, por várias razões.



Trata-se de eleições locais, que dizem respeito aos paulistanos, com possíveis implicações futuras mais óbvias para paulistas de modo geral. Contudo, o que acontece agora em São Paulo não poderia deixar de interessar a todo o país.


O Brasil é hoje governado por um grupo político organizado, com projeto de poder - porém enfraquecido e carecendo de um projeto nacional. Sua liderança carismática está em claro ocaso, seja pela conjuntura, seja pelo fator biológico, posicionada, como está, no outono ou inverno da vida. O governo atual articula-se em uma aliança entre setores de um liberalismo financista datado, de tendência sucateadora, e um progressismo importado, sem vínculos emocionais nem espirituais com os valores culturais do povo brasileiro. O episódio (apagado da internet, mas não esquecido) da letra do Hino Nacional aviltada em versão de gênero neutro (totalmente alienígena às estruturas psicolinguísticas dos idiomas românicos como o português) ilustra bem essa realidade. "Filhes deste solo" não é apenas ridículo - é a falência de uma vertente política brasileira (ainda que aplaudida em Nova Iorque). Trata-se de ocorrido em contexto de eleição local, porém com repercussão nacional.


Entre cadeiradas, injúrias morais caluniosas, PNL e exotismos, a disputa político-partidária pela chefia do poder executivo na maior cidade da América Latina mobiliza também um ex-apresentador de telejornal policial com potencial apelo populista e uma candidata jovem e bem representante do "extremo-centro" financista - contudo se centra em três nomes, dois deles produtos do que se tem convencionado chamar de "polarização".


Num dos pólos, um dos candidatos materializa bem certa direita "murro na mesa", que conquista mais pela linguagem do que pela mensagem (atamancada). Ele surge, contudo, como espécie de cavalo-de-troia. Como bem disse sobre ele o escritor e editor César Benjamin (sempre lúcido):


"Hoje, com 37 anos, apresenta-se como milionário. Tem dezenas de empresas, nas mais diversas áreas. Nesse meio-tempo, foi condenado por participar de uma quadrilha que roubava dinheiro de contas bancárias, usando a internet, e sua assessoria partidária está repleta de pessoas suspeitas de ligação com o PCC. Suas áreas de atuação empresarial coincidem com as principais rotas da cocaína em território brasileiro. Sejamos francos: o salto triplo carpado da riqueza de um sujeito com esta biografia só se explica se suas empresas integrarem um esquema de lavagem de dinheiro do crime organizado. O crime graúdo precisa controlar empresas com atuação legal para poder movimentar, pelo sistema financeiro, os recursos obtidos ilicitamente. Milhões de reais não viajam em caminhões.

Há inúmeras dimensões presentes nessa candidatura esdrúxula. Não tenho tempo de explorá-las aqui, e nem teria competência para fazê-lo. Basta dizer que estamos às vésperas de um dramático aprofundamento na degradação da vida institucional brasileira: grupos criminosos, que até aqui financiam e apoiam políticos, passam a se apresentar de cara lavada, sem intermediários, reivindicando o controle direto do terceiro maior orçamento público do Brasil.

O crescimento dessa proposta na maior e mais rica cidade do país mostra como é profunda a anomia da sociedade brasileira e como a economia do crime se tornou capilarizada. Não é um problema apenas de São Paulo, é nacional. O que está acontecendo na capital paulista já é norma há muito tempo em municípios e estados menos desenvolvidos e menos visíveis".


Para além dessa grave questão (a ser investigada), a situação eleitoral paulistana, qual microcosmo da situação brasileira, mostrou que:


  1. a direita "anti-sistema" não tem comando central nem dono e não é controlada por uma figura específica, existindo nela potencial para despontarem novos empreendedores políticos - inclusive de tipo aventureiro ou oriundos de uma lumpen-burguesia. A conexão com esse aspecto mais radical e sombrio da direita ocorre com um dos candidatos - e não se trata do atual prefeito, ao contrário do que a propaganda progressista pretendeu propagar.

  2. existe uma grande parte do eleitorado brasileiro que não pode ser demonizada, e cujas demandas, para além de um cálculo estratégico-pragmático eleitoral, também precisam ser atendidas e contempladas - e são também demandas do povo brasileiro em geral (em matéria de segurança pública, por exemplo - e rejeição ao identitarismo).

  3. existe a possibilidade de se escapar à polarização pragmaticamente (sem ignorar-lhe a existência), equilibrando ambos os pólos e levando a cabo iniciativas pró-povo - é o que se vê, hoje, na capital paulista.


Ora, na composição do governo da atual prefeitura de São Paulo (que os esquerdeiros pretendem tachar de "extrema-direita"), destaca-se, por exemplo, ocupando importantes espaços, um quadro importante para a causa da soberania nacional (e para as pautas trabalhistas, com seu posicionamento anti-Woke consistente) como o ex-Ministro Aldo Rebelo, que, há anos, encontrava-se fora da política partidária. O atual prefeito, ademais, destaca-se, entre outras coisas, pelo maior programa habitacional (de moradias populares) já visto em São Paulo, pela primeira vez, desapropriando prédios vazios, o que se traduz em importantes conquistas para a população mais pobre. Destacou-se também pela intervenção em empresas de transporte suspeitas de envolvimento com o crime organizado. E isso é feito no contexto de uma frente ampla, que dribla a lógica imbecilizante da polarização política que hoje amaldiçoa o país. É possível, sim, combater o crime, como promete a direita - e também, ao mesmo tempo, levar a cabo medidas populares no âmbito econômico e de programas sociais - tarefa a qual cada vez menos se dedica a esquerda identitária.


O Brasil não precisa de uma esquerda "Woke", ocidentalizada e desconectada dos interesses nacionais populares e sobretudo alienada em relação à classe trabalhadora. Uma esquerda, em suma, que odeia o Brasil. Nem a cidade de São Paulo nem o Brasil precisam disso. O Brasil não precisa, tampouco, de uma direita truculenta e caricata, que se imagina à imagem e semelhança do Partido Republicano dos Estados Unidos da América da época de Reagan (até mesmo Trump, com seu apelo popular e protecionista, superou o neoliberalismo, diga-se de passagem).


Já basta de lacração progressista e mitada direitista. Hoje, ser radical (no bom sentido etimológico original de se conectar às raízes) passa por ser moderado. O bom radicalismo reside hoje na moderação e no pragmatismo. Não a falsa moderação do extremo-centro mainstream, globalista, neoliberal e Woke, mas a moderação raiz do bom e velho Centrão, com pitadas de presença nacionalista e trabalhista de peso, para fazer a balança pender, cada vez mais, nesse sentido. Já está claro que espaço não há mais, nas esquerdas, para a causa nacional ou tampouco a causa trabalhista. Se há, há cada vez menos - infelizmente. Caberá também a uma direita e centro-direita desenvolvimentista ou a um centrão pragmático e soberanista  participar da tarefa de reindustrializar a nação e impedir sua desintegração. E não existe revitalização da classe trabalhadora precarizada sem reindustrialização. Ora, pouco importa a cor do gato, contanto que cace os ratos - e o ratos são muitos. É este, enfim, o único caminho possível hoje para nacionalistas, patriotas, trabalhistas e bons radicais - sem purismos nem sectarismos. Do contrário, o destino do nacionalismo é ou ser reduto de um pequeno nicho exótico (como tem sido desde o período pós-Brizola, que também se sucede à figura passageira do Enéas Carneiro, de saudosa memória. Aliás, Brizola faleceu em 2004 e Enéas Carneiro, que o admirava, em 2007) ou ser apropriado e deturpado por um pseudo-patriotismo de goela, que se materializa na camisa da Seleção, mas não necessariamente vai muito mais longe em programas e propostas - refém de aventureiros e de navegantes do logaritmo.


Nesta conjuntura, a reeleição de Ricardo Nunes como prefeito não apenas é o melhor para a cidade de São Paulo, como também, considerando seus possíveis impactos e desdobramentos, é o melhor cenário para o Brasil e para o povo brasileiro.


Uriel Araujo - Núcleo Sol da Pátria de SP



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