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Os bodes expiatórios da "elite" intelectual brasileira



Os intelectuais da esquerda têm focado no papel das Forças Armadas no governo Bolsonaro e, mais especificamente, na tentativa de Golpe de Estado do dia 08 de janeiro. Os militares são vistos como protagonistas da calamidade, veredito partilhado pelo Presidente Lula em entrevista a Natuza Nery.


Conrado Hubner, Professor de Direito Constitucional da USP, exemplifica o sentimento predominante nesse campo político em artigo assinado para a Folha de São Paulo [1]. Ele se refere às Forças Armadas como "a instituição mais covarde do Estado brasileiro", e alerta para o perigo de uma "nova anistia".


Ora, se distinguirmos a realidade conhecida da imaginação desenfreada, wishful thinking e especulações descabidas, não há qualquer razão para responsabilizar as Forças enquanto instituição pela aventura bolsonarista. Do desejo golpista de que houvesse intervenção militar não se retira indício de que ela estava para acontecer. Bolsonaro passou os quatro anos de seu mandato seduzindo militares sem que houvesse qualquer sinal de Golpe vindo do Alto Comando, ou seja, de quem efetivamente está na ativa e comanda tropas.


Pelo contrário, Edson Pujol, ex-Comandante do Exército, resistiu com denodo ao canto de sereia de Bolsonaro e à partidarização dos militares. Em março de 2021, os três Comandantes das Forças se demitiram conjuntamente, óbvia crise entre a cúpula militar e os desejos do governo. Os Generais conseguiram impor a Bolsonaro um novo Comandante alinhado com o pensamento de Edson Pujol.


Não se pode confundir o plano maluco que existia na cabeça dos golpistas com a realidade nua e crua. É possível que os golpistas imaginassem que uma GLO lhes daria o domínio de Brasília e encaminhasse a tomada de poder. É é possível também incrementar o quadro fantasioso, supondo manifestações em massas nas capitais a favor dos invasores e ocupantes das sedes dos Poderes, rebelião das polícias, bloqueios de estradas, manifestações em igrejas e apoio de partidos como o PL.


Nada disso aconteceu. Assim também, independente da maior ou menor simpatia por Bolsonaro nos quartéis, os tanques permaneceram quietos. Um silêncio, convém lembrar, exigido de todo oficial militar da ativa.


Atacar as Forças Armadas, chamando-as de "instituição covarde", pode ser, ao contrário, expressão da própria covardia intelectual de Conrado Hubner e daqueles que concordam com seu discurso. Por que as polícias, os partidos, o judiciário, os sindicatos ou as universidades seriam instituições mais corajosas ou melhores? E por que deixar de lado as igrejas, o empresariado e grupos de trabalhadores diversos?


A narrativa de responsabilização unilateral das FAs serve não à democracia, ao bem comum ou à verdade dos fatos, mas à reiteração do mito fundador da Nova República, o da sociedade civil unida contra o suposto autoritarismo da corporação militar. Não passa de um projeto desonesto de repetição do velho mito do perigo militar, o bode expiatório de uma suposta sociedade civil que derrotou quarteladas, narrativa tão desgastada quanto a própria Nova República que a pariu.


O ressentimento está imbricado com um erro analítico grave, que revela que a narrativa mítica é também uma crença arraigada ao ponto da alienação pura e simples: o de imaginar o bolsonarismo como uma quase ditadura militar, um governo das Forças Armadas, como Hubner afirma explicitamente em artigos do ano passado, confundindo assim o apoio de militares específicos com o domínio de uma instituição.


Sintomaticamente, não se faz o mesmo com setores empresariais, da mídia, artísticos, policiais, de trabalhadores, religiosos e até intelectuais que também forneceram grupos de sustentação a Bolsonaro. Há tanto "rigor analítico" em descrever o bolsonarismo como uma "ditadura militar" quanto em qualificá-lo de "teocracia evangélica", "semiparlamentarismo fisiológico" [o papel de Arthur Lira e do Centrão é varrido para debaixo do tapete], "intevencionismo judiciário" [e Sérgio Moro, os Procuradores da Lava-Jato e todos seus fãs?], "milícias institucionalizadas" [e as Polícias, incluindo aí as Civis?], "totalitarismo rentista" [Paulo Guedes, o Posto Ipiranga que manteve apoio da Faria Lima não entra na conta?] e daí por diante.


Por outro lado, afirmar que era "tudo isso ao mesmo tempo" é reconhecer que não era nada disso isoladamente. O recalque progressista na base da Nova República aponta que o problema são as Forças Armadas e tão somente as FAs. O restante, é uma sociedade civil sequestrada, acuada, enganada, vilipendiada e heróica. Curiosamente, a esquerda mira unilateralmente nos tanques QUE NÃO SAÍRAM DOS QUARTÉIS em um momento em que o PT torna semi-oficial a análise de que Dilma sofreu um golpe do Judiciário lavajatista, do Centrão fisiológico, da Faria Lima, da Fiesp etc.


Mas se sofreu um golpe desses estratos, por que não puni-los? Por que motivo os intelectuais esquerdistas preferem a amnésia em vez de responsabilizar tais agentes senão por conveniência e má fé?


Não dá pra levar a sério a covardia intelectual da grossa vinda de um acadêmico da USP como Conrado Hubner, expressão perfeita da desorientação ideológica e política em que a elite brasileira está mergulhada.

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[1] https://www1.folha.uol.com.br/.../nao-reformar-a...

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