Leonel de Moura Brizola, ou simplesmente Brizola, nascido como Itagiba em 22 de janeiro de 1922, Carazinho - RS, é um daqueles vultos históricos atemporais, um personagem de dar inveja a qualquer outra nação. Brizola era caracterizado por seus adversários como homem rebelde, revolucionário, até mesmo como um “comunista” que queria implantar uma república sindicalista no país, muitos confundiam sua natureza de busca por justiça e reformas estruturais, tão necessárias ao país, como uma afronta à democracia. Em tempos de guerra fria, frios aqueles que não se incomodavam com as estruturas injustas…
Homem público e aguerrido, teve uma aproximação com a luta política desde cedo mediante seus familiares, em particular seu pai José de Oliveira Santos Brizola, pequeno estancieiro gaúcho, que faleceu quando ele tinha pouco mais de um ano de idade, morto pelas forças leais ao presidente provincial do Rio Grande, Borges de Medeiros. A mudança de nome segundo biógrafos e os próprios irmãos de Itagiba, deu-se por desde cedo o menino brincar encenando as batalhas de Leonel Rocha, tido por ele como herói por lutar contra os assassinos de seu pai. Quando chegou a determinada idade, e necessitando de uma certidão de nascimento para o ingresso de Brizola na escola agrícola que cursou, a mãe adotou o nome de Leonel de Moura Brizola, em homenagem ao herói do filho e em honra ao pai morto.
Carreira escolar e acadêmica
Em sua carreira escolar-acadêmica, Brizola fora um bom estudante, alfabetizado pela mãe antes de ingressar no ensino primário, mudando-se para Porto Alegre a fim de concluir o ensino fundamental no ano de 1942 – à época teve que trabalhar para se manter, indo de trabalhos como engraxate a operário, de jardineiro a servidor público. Alguns anos depois, precisamente em 1945 foi aprovado para o curso de engenharia civil da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), graduando-se no ano de 1947. Brizola, nesse período estudantil, já começara a ter seus primeiros contatos diretos com a política partidária, e com apenas 22 anos contribuiu diretamente com a fundação do PTB no Rio Grande, ficando responsável pela a ala jovem do partido, a ala histórica do PTB que esteve ligada há mais tempo por propostas reformistas, estas que influenciaram o partido principalmente na busca pelas reformas de base de 1964.
O início do “meteoro político”
Em 1947, mal terminada sua graduação, tornou-se deputado estadual, e aqui,se podemos defini-lo com algum apelido, seria o de “Meteoro político”, pois sua escalada política na disputa por cargos foi rápida e efetiva, expressão do elo popular que foi marca decisiva em todos os períodos de sua vida. Ele era, pois, um real homem do povo. Em 1954, foi eleito deputado federal com votação recorde no estado e no país, 103.033 votos.
Justamente no meio político, em um evento partidário, conheceu aquela que passaria mais de 40 anos ao seu lado, até sua morte em 1993, Neusa Goulart Brizola. Casados de 1950-1993.
A ascensão política de Brizola não pararia por aí: em 1956, eleito prefeito da capital riograndense e, em 1958, chegou ao cargo máximo, o de governador daquele estado.
Brizola contribuiu com avanços sociais significativos ao povo gaúcho, as brizoletas, escolas padronizadas, feitas de madeira e com pouco mais de duas salas, foram um símbolo da cruzada pela educação, tão marcante na vida de Leonel; o slogan “Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul” permeou suas ações. Em uma época em que as taxas de analfabetismo eram “gritantes”, Brizola colocou-se à testa de uma cruzada pela diminuição do analfabetismo. Aumentou o número de matrículas ofertadas e de escolas, com mais de 6000 construídas e entregues.
Um fato curioso do governo de Leonel Brizola, no Rio Grande, foi o encampamento da empresa norte-americana Bond andShare, dona do monopólio da rede de energia elétrica gaúcha, num estado sofria com diversas quedas de energia e além disso a empresa não se prontificava a expandir a rede de energia do estado, um problema grandioso para o desenvolvimento social-econômico da região. Brizola dizia: “Precisamos de energia e de comunicação para crescer”. Mais tarde, no ano de 1962, encampou filial brasileira de outra empresa norte-americana, a Companhia Telefônica Nacional, o que lhe rendeu diversos ataques por parte de jornais americanos, como o Washington post, que afirmava ser Brizola “Demagogo perigoso, hábil e ambicioso.”, um possível “Novo Castro”.
A Rede da Legalidade
Foi durante seu mandato de governador, no qual instaurou-se um dos episódios mais famosos de sua agitada vida política, a chamada “Rede da legalidade”, que em 1961 Brizola sistematizou uma rede de transmissão de rádio a partir da qual ordenava a posse de Jango (Vice de Jânio) à presidência da república, algo constitucional e que deveria ocorrer normalmente à época, já que Jânio havia renunciado. Além disso, reuniu diversas pessoas e militares ao redor do Palácio do Piratini, incentivando os populares a pegarem em armas numa ampla resistência, jurando entrar em guerra se possível, caso a posse de Jango não ocorresse, é desse período a icônica foto de Brizola trajado em seu terno, com uma arma a tiracolo, enquanto fuma seu cigarro. O legalismo venceu!
Passado o empecilho, e instituído o presidente, a luta de Brizola estava apenas no começo: com a aproximação das eleições presidenciais de 1965, o velho caudilho ensaiava uma entrada na luta pela cadeira da presidência, mudando o seu domicílio eleitoral para a Guanabara em 1962 e sendo eleito a deputado federal novamente. Entretanto, havia restrições legais para que o cunhado de Jango disputasse as eleições. Mobilizando o povo, numa campanha intitulada “Cunhado, não é parente.”, e inflando o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e liderando a FPM (Frente de Mobilização Popular), o comandante da rede legalista mobilizava as massas à esquerda para que o presidente Jango e os congressistas aprovassem as tão sonhadas reformas de base. Brizola ainda mantinha firme a ideia de que conseguiria disputar as eleições presidenciais de 65 (infelizmente não sabia os tempos sombrios que haviam de vir sob o Brasil e sua vida: exilado).
Tempos de exílio e o ensaio da volta do PTB (1964-1979)
Com a deposição de João Goulart em 1 de abril de 1964 e a instalação do AI 1, golpeando a constituição de 1946, Leonel Brizola, assim como Jango, foram exilados do país, além de sofrerem forte perseguição por todo o período de exílio. Para alguns historiadores, a radicalidade do discurso de Brizola foi um dos principais fatores para o agravamento da situação política para Jango.
Brizola perdeu seus direitos políticos por 10 anos, ficando exilado no Uruguai até 1977 cuidando de propriedades da esposa, quando por pressão do governo militar brasileiro, o velho caudilho recebeu asilo político nos Estados Unidos, concedido pelo presidente Carter. Pode parecer estranho esse novo papel dos EUAna relação com o Brasil, mas o governo Carter estava preocupado em desestimular os regimes ditatoriais implementados na América Latina, era um início de queda daquele temor que perpassava o clímax da guerra fria. Brizola era acompanhado de perto pela inteligência brasileira, havia uma preocupação iminente com sua possível volta ao território nacional e a desestabilização da questão política.
Segundo Clóvis Brigagão e Trajano Ribeiro, na biografia política de Brizola:
Jango advertiu Brizola sobre planos para eliminação de lideranças brasileiras de oposição ao regime militar, sobre as quais havia sido informado pelo serviço secreto cubano… Nesse contexto é que se deu a articulação terrorista promovida pela operação Condor, comandada por Pinochet, do Chile, pelos militares argentinos e uruguaios, com apoio, e algumas intervenções práticas do governo militar brasileiro. (BRIGAGÃO & RIBEIRO, 2015)
Esse sendo um dos principais fatores para a mudança de Brizola para a América do Norte. O regime de liberdade instituído por Carter lhe daria um novo fôlego e ferramentas para a sua volta aos palcos políticos brasileiros.
15 anos de amargurado exílio colocaram o velho caudilho como o político brasileiro com o mais longo exílio político da história do país, mas o esgotamento e decadência do regime militar brasileiro, em fins da década de 70, abriram novos horizontes para a redemocratização e abertura política nacional, um chamado pela “anistia, ampla, geral e irrestrita” foi o tom adotado por Brizola ainda no exterior. O comitê pró-anistia, em Lisboa, na data de 25/01/1978, contou com figuras históricas da esquerda brasileira, como o próprio Leonel Brizola e o ex-governador pernambucano Miguel Arraes, numa luta pela volta da normalidade democrática ao país.
É nessa época de estadia em Portugal, que Brizola procura bases para a refundação de seu antigo partido, o PTB.
…tinha em mente a reestruturação de um partido com raízes históricas que poderia ser um denominador comum para todas as expressões jovens, mas essencialmente seria a expressão das bases populares. Para ele, sua ida à Europa “adquiria significado político bem vincado”: procurar ouvir os partidos europeus sobre o possível apoio à reformulação do PTB. (BRIGAGÃO & RIBEIRO, 2015)
Ainda em Lisboa, no ano de 1979, Brizola, após aproximar-se do presidente de Portugal, Mário Soares, influenciado a participar de um plano conjunto da Internacional Socialista que propunha um futuro social-democrata e reformista para o Brasil no pós-ditadura, algo aceito por ele e proposto através da Carta de Lisboa, documento que alinhava o trabalhismo brasileiro a propostas reformistas e socialistas, o nosso socialismo moreno, uma ideologia genuinamente brasileira.
Nesse mesmo ano, com a aplicação de uma anistia geral, teve, então, o fim de seu longo exílio, chegando a São Borja, terra mítica dos líderes brasileiros Vargas e Jango, em 7 de setembro de 1979.
Com a missão de refundar o PTB, Brizola colocava-se como o legítimo herdeiro da sigla, porém Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio,com uma proposta muito mais fisiológica para o partido, disputou na justiça a sigla petebista, e assim o TSE à época a concedeu, proibindo o uso do partido por Brizola. Uma cena lastimável ficou marcada no imaginário político e popular brasileiro, a cena em que Brizola, em prantos, rasga o nome do PTB em um papel, demonstrava o rancor e frustração daquele homem que trabalhava há dois anos pela refundação do partido. Carlos Drummond de Andrade retratou bem essa cena em um de seus poemas:
“Vi um homem chorar porque lhe negam o direito de usar três letras do alfabeto para fins políticos. Vi uma mulher beber champanha porque lhe deram esse direito negado ao outro.
Vi um homem rasgar o papel em que estavam escritas as três letras, que ele tanto amava. Como já vi amantes rasgarem retratos de suas amadas, na impossibilidade de rasgarem as próprias amadas.
Vi homicídios que não se praticaram, mas que foram autênticos homicídios: o gesto no ar, sem consequência, testemunhava a intenção.
Vi o poder dos dedos. Mesmo sem puxar o gatilho, mesmo sem gatilho a puxar, eles consumaram a morte em pensamento.
Vi a paixão em todas as suas cores. Envolta em diferentes vestes, adornada de complementos distintos, era o mesmo núcleo desesperado, a carne viva.
E vi danças festejando a derrota do adversário, e cantos e fogos. Vi o sentido ambíguo de toda festa. Há sempre uma antifesta ao lado, que não se faz sentir, e dói para dentro.
A política, vi as impurezas da política recobrindo sua pureza teórica. Ou o contrário… Se ela é jogo, como pode ser pura… Se ela visa o bem geral, por que se nutre de combinações e até de fraudes.
Novos caminhos da redemocratização: Volta ao Rio de Janeiro
Passado este revés, Brizola articulou-se com antigos companheiros da cena política, como Darcy Ribeiro, Doutel de Andrade, Trajano Ribeiro, Alceu Colares e outros, pela fundação do Partido Democrático Trabalhista, o PDT, sigla com a qual percorreu todas as suas futuras eleições.
O primeiro pleito disputado pelo caudilho foi justamente no local onde sua vida política havia sido interrompida e onde o gaúcho iria retomá-la, o Rio de Janeiro. Na eleição de 1982, Brizola candidatou-se a governador do estado por duas vezes, ganhando a primeira com 1,7 milhões de votos, cumprido mandato de 1983 a 1987, e o último mandatocom mais de 60% dos votos, de 1991 a 1994.
Brizola em seus mandatos refez uma verdadeira cruzada pró-educação no Estado, assim como tivera feito no Rio Grande na primeira parte de sua vida pública. O ambicioso projeto dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), arquitetados pelo grande engenheiro Oscar Niemeyer, era a “menina dos seus olhos”, um plano que visava a uma educação integral, pública e de qualidade para as crianças cariocas, com locais não apenas para a educação da meninada, mas com espaços recreativos de lazer e desportivos como piscinas, refeições completas, atendimento médico e odontológico, locais de leitura, ginásio esportivo e muito mais, um verdadeiro espaço “para ricos”, oferecido aos filhos da classe trabalhadora.
Darcy Ribeiro dizia, que “a favela não faze parte do problema, mas parte da solução”.Seguindo essa tônica de defesa dos mais pobres, as políticas públicas do governo Brizola dialogam com a realidade do povo marginalizado e esquecido, o carnaval carioca, tido historicamente como “coisa de favelado”, no sentido preconceituoso e elitista das classes abastadas cariocas, foi abraçado pelo olhar aberto e verdadeiramente nacionalista de Brizola. A criação do sambódromo, hoje “babado” e acariciado pela Rede Globo, e antes criticado e vilipendiado pelos jornais à época, foi uma criação do trabalhista gaúcho, enaltecendo e fortalecendo uma cultura tão marginalizada e posta fora dos projetos governamentais.
Um lado trocista(no bom sentido) do velho caudilho estava em seus famosos tijolaços, comentários políticos nos jornais da época feitos pelo pedetista, verdadeiras cartilhas de um trabalhismo reformista e renovado, em que tecia críticas ferrenhas aos governos e seus métodos de exclusão da classe trabalhadora. Numa época anterior à internet e redes sociais, Brizola soube utilizar-se bem das ferramentas da época.
Mas a carreira política de Brizola também possuiu algumas perdas importantes, como a primeira tentativa à eleição presidencial de 1989, em que por uma pequena margem não foi ao segundo turno contra Collor. Segundo especialistas, Brizola possuía mais chances do que Lula num segundo turno contra Fernando Collor, porém o petista arregimentou votos nas regiões industriais do sudeste e no nordeste, enquanto Brizola possuía forte apoio em regiões de eleitorado mais baixo, onde ele já havia sido governador, que era o RS e RJ.
Com a saída do páreo, apoiou a candidatura de Lula, candidato mais à esquerda naquele momento. Collor sairia vencedor da primeira disputa via eleição direta da Nova República.
Ainda, em uma segunda tentativa, na eleição presidencial de 1994 Brizola tentou novamente concorrer à cadeira presidencial, sendo derrotado amargamente, e ficando na quinta colocação da disputa nacional. Ali encerrou-se a sua derradeira disputa ao mais alto posto da república. Vitória de FHC e continuação do projeto neoliberal implantado por Collor.
A relação dúbia, de amor e ódio, entre Brizola e Lula é algo notável em sua biografia.Na eleição de 1998 ainda concorreu a vice-presidente ao lado do candidato do PT, perdendo mais uma vez. Em 2002, no primeiro turno, defendeu ferrenhamente a candidatura de Ciro Gomes (PPS) à presidência, enquanto disputava o senado federal pelo Rio de Janeiro (derrotado). Com a derrota do candidato, apoiou a eleição de Lula, a primeira vitória da esquerda desde a redemocratização.
O eco de uma voz indignada
Após isso, o distanciamento entre o líder pedetista e o novo presidente ficou evidente, Brizola tecia críticas à forma fisiológica com que o PT estava lidando com a política nacional, aquela esquerda operária, encarnada pela figura do Lula, não mais existia, com as práticas neoliberais sendo continuadas no país. Um fato curioso se testemunhou no velório do trabalhista em 2004, quando da visita do então presidente Lula ao velório, militantes do PDT chamavam-no de traidor.
Na memória de Brizola, vemos a razão de ser de um homem indignado com as estruturas injustas do país, militante ferrenho e trabalhista prático, um autêntico seguidor do legado de Getúlio Vargas e Jango. As derrotas políticas derradeiras daquele gaúcho, amante da justiça e das causas nacionais, não diminuemsua envergadurahistórica, mas antes justifica sua razão de ter sido quem foi, um gigante gaúcho contra um sistema de exclusão e injustiças contra o povo, colocando-se no lugar daqueles que sofrem, com um espírito solidarista pouco visto em homens públicos.
Para Clóvis Brigagão, companheiro de longa data e biógrafo de Brizola, o velho caudilho tinha um discurso embebido em raízes empíricas, era um homem do povo, não um político das elites; de origem humilde, governou para humildes nas oportunidades que teve. Não é sábio o historiador que tenta redesenhar os acontecimentos com base naquilo que poderia ter sido o passado, mas há fatos e histórias que nos conclamam a isso, e aqui eu me despeço do senso rigoroso de historiador e passo ao cenário de utópico: O que teria sido do Brasil se Brizola tivesse sido eleito à presidência da república?
Viva o velho caudilho!
Leituras recomendadas:BRIGAGÃO, Clóvis; RIBEIRO, Trajano. Brizola. [S. l.]: Paz & Terra, 2015. 288 p.
FREIRE, Américo; FERREIRA, Jorge. A razão indignada: Leonel Brizola Em Dois Tempos (1961-1964 E 1979-2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2016. 350 p.
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