E agora, Ciro Gomes?
- Alexandre Sugamosto

- 22 de out.
- 4 min de leitura
A recente filiação de Ciro Gomes ao PSDB, articulada pelo ex-senador Tasso Jereissati, representa um dos movimentos mais sísmicos na política brasileira recente1. Após uma longa carreira no PDT, partido que o levou a duas candidaturas presidenciais, Ciro retorna ao ninho tucano, onde iniciou sua trajetória como governador do Ceará nos anos 19902. A mudança, justificada por um descontentamento com a aliança do PDT ao governo petista, levanta questões profundas sobre a coerência entre discurso desenvolvimentista e prática partidária.
Para os defensores de um projeto nacional de desenvolvimento, a aliança com o PSDB soa como uma contradição histórica. O partido, que governou o país nos anos 1990 sob a égide do neoliberalismo e das privatizações, parece um lar improvável para o autor do "Projeto Nacional: O dever da esperança". A história do partido, marcada por uma agenda oposta ao desenvolvimentismo, sugere um caminho árduo para a implementação de qualquer política que se assemelhe ao ideário de Ciro. O PND, com suas propostas de reindustrialização, fortalecimento do Estado e investimento em ciência e tecnologia, encontrará resistência em um partido cujo DNA foi moldado pelas reformas liberalizantes de Fernando Henrique Cardoso. A tensão entre o projeto e a legenda pode resultar em uma diluição das propostas ou em novos conflitos internos. Não é difícil imaginar que o desenvolvimentismo de Ciro seja domesticado pela máquina tucana, transformando-se em mais um discurso vazio de campanha.
A saída de Ciro do PDT também lança uma sombra sobre o futuro do próprio partido. Fundado por Leonel Brizola para ser o herdeiro do trabalhismo de Getúlio Vargas, o PDT parece ter se distanciado de suas raízes. Até que ponto o PDT ainda defende o legado de Vargas e Brizola? Os números no Ceará são eloquentes: o partido despencou de 67 prefeituras em 2020 para apenas 5 em 2024, uma queda de 92,5% 3. A perda de sua figura mais proeminente pode significar um enfraquecimento definitivo do trabalhismo como força política relevante no cenário nacional.

A repercussão da mudança de Ciro revela as fraturas do campo político brasileiro. Enquanto veículos alinhados ao lulismo, como o Brasil 247, celebram o movimento como uma confirmação do fracasso de Ciro e o classificam como "camisa 10 de Lula" por ter fortalecido involuntariamente o PT com seus ataques [3], os setores nacionalistas e desenvolvimentistas observam com apreensão a aparente incoerência entre projeto e partido. O Brasil de Fato contextualiza a saída como resultado do isolamento de Ciro dentro do PDT após a aproximação do partido com o governo Elmano de Freitas4. Para a esquerda petista, a ida de Ciro ao PSDB confirma uma trajetória errática e oportunista. Para os nacionalistas, representa um dilema: como apoiar um aliado histórico em um partido historicamente antagônico aos princípios da soberania nacional e do desenvolvimento autônomo? A questão permanece sem resposta convincente.
A hipocrisia da esquerda lulista nessa celebração, contudo, não passa despercebida. O mesmo PT que critica Ciro por se filiar ao PSDB elegeu como vice-presidente Geraldo Alckmin, tucano histórico e adversário de Lula em duas eleições presidenciais. Alckmin, que passou 33 anos no PSDB e foi um dos principais artífices do neoliberalismo paulista, hoje ocupa a vice-presidência da República sem que isso cause qualquer constrangimento aos petistas. Mais do que isso, o governo Lula mantém alianças sólidas com o Centrão, distribuindo ministérios e cargos para partidos como PP, Republicanos e União Brasil, siglas que não possuem qualquer compromisso com o desenvolvimentismo ou com a soberania nacional. A crítica seletiva a Ciro, portanto, revela menos uma preocupação com coerência ideológica e mais uma estratégia de neutralização de um adversário político incômodo.
A filiação de Ciro Gomes ao PSDB é um movimento de alto risco. As incertezas sobre a viabilidade de seu projeto político, a identidade do PDT e o futuro do trabalhismo se avolumam. O contraste entre a celebração lulista do fracasso de Ciro e a apreensão nacionalista diante da contradição entre seu projeto desenvolvimentista e a história neoliberal do PSDB revela as complexidades do momento político brasileiro. Apenas o tempo dirá se Ciro conseguirá, de dentro do ninho tucano, manter acesa a chama do desenvolvimento nacional ou se sua ida para o PSDB representará o fim de um ciclo e a diluição de uma das vozes mais importantes do nacionalismo brasileiro contemporâneo.
Referências:
[1] O Globo. (2025, 19 de outubro). PSDB anuncia data de filiação de Ciro Gomes e propõe candidatura ao governo do Ceará. Acessado em 21 de outubro de 2025, de https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/10/19/psdb-anuncia-data-de-filiacao-de-ciro-gomes-e-propoe-candidatura-ao-governo-do-ceara.ghtml
[2] G1. (2025, 18 de outubro). Ciro Gomes se filia ao PSDB após deixar o PDT e deve se candidatar a governador do Ceará em 2026. Acessado em 21 de outubro de 2025, de https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/10/18/ciro-gomes-se-filia-ao-psdb-apos-deixar-o-pdt-e-deve-se-candidatar-a-governador-do-ceara-em-2026.ghtml
[3] Brasil 247. (2025, 18 de outubro). Ciro no PSDB e as ironias da política. Acessado em 21 de outubro de 2025, de https://www.brasil247.com/blog/ciro-no-psdb-e-as-ironias-da-politica
[4] Brasil de Fato. (2025, 18 de outubro). Ciro Gomes carimba filiação ao PSDB e mira governo do Ceará em 2026. Acessado em 21 de outubro de 2025, de https://www.brasildefato.com.br/2025/10/18/ciro-gomes-carimba-filiacao-ao-psdb-e-mira-governo-do-ceara-em-2026/



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