O que significa o Oscar do Brasil?
- André Luiz V.B.T. dos Reis
- 3 de mar.
- 2 min de leitura
A vitória de "Ainda estou aqui" na premiação de ontem escancara o maior problema atual do Brasil: o fascínio provinciano em relação ao Império ianque, o colonialismo mental que leva à sensação de ''vitória'' pelas migalhas que os ''senhores do continente'' arremessam em nossa direção.
"Ainda estou aqui" é um excelente filme, e não depende em nada do Oscar para isso. O cinema brasileiro produziu obras de um nível muito superior ao filme de Walter Salles e nunca chegou perto de vencer a estatueta. No que isso diminuiria a genialidade de um Glauber Rocha ou de um Nelson Pereira dos Santos, dentre tantos outros?
A cerimônia da Academia Hollywoodiana está em crise há anos. A audiência declina ano após ano. Para se manter como ponta de lança do soft power ianque, a premiação se tornou mais ''inclusiva'', dando nacos maiores de participação para filmes estrangeiros. Poucos anos atrás, um filme sul-coreano teve a ''honra'' de levar a premiação de melhor filme [geral]. A Coreia do Sul é, há décadas, uma colônia fundamental para os EUA, uma região estratégia e uma fronteira 'geopolítica' em relação à China. Não custava nada acenar para os vassalos, mostrando que o Império é capaz de reconhecer a contribuição deles para a manutenção da hegemonia do Big Brother.
O que digo aqui sobre o significado do Oscar é banal. E ainda assim, boa parte dos brasileiros não resiste ao sentimento de realização por ter sido contemplado pelos ''deuses do Olimpo''. A Academia olhou para nós, notou nossa existência, e até sorriu. O apresentador da cerimônia fez uma piadinha sobre o filme brazuca, e isso virou manchete do G1.
O pior de tudo é a politização que certos grupos desejam fazer em cima do próprio filme. Que é bom não porque defende esta ou aquela ideologia, mas pelos componentes técnicos e dramáticos intrínsecos a esta forma de arte. Mas as posições ideológicas na sociedade brasileira não mudaram nem vão se alterar por causa da premiação, de modo que estamos mergulhados naquele clima de catarse de movimentos que, por não conseguirem se afirmar mais no âmbito que realmente importa, precisam de muletas ou mecanismos de compensação psicológica.
O mais irônico de toda esta alegria é que o Oscar é elemento do hegemonismo norte-americano, o mesmo que contribuiu ativa e diretamente para a implementação do regime civil-militar em 1964 direcionado contra o Trabalhismo, ideologia da qual Rubens Paiva era uma representante. E o apoio ianque ao golpe foi feito em pleno governo do Partido Democrata, a sigla que a maioria dos embasbacados com a noite de ontem gostaria de ver no poder.
Submissão ideológica é isso aí. Acompanhada de subordinação cultural, política, econômica, intelectual. Tudo aquilo que era denunciado pelo Trabalhismo de Rubens Paiva, mas que hoje parece sepultado em um país que esqueceu de si mesmo.
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