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Foto do escritorMaurício Oltramari

Romanidade e latinidade em Juan Perón

Nota do Sol da Pátria: Seguem, abaixo, dois trechos de discursos do estadista argentino Juan Domingo Perón, traduzidos por Maurício Oltramari, que dialogam, indiretamente, com a ideia de Nova Roma do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro.



O Poder da Cultura*

Por Juan Domingo Perón


Acredito firmemente que a cultura é determinante para a felicidade dos povos porque, por cultura, deve-se entender não somente preparação moral e arma de combate para sustentar a posição de cada homem na luta cotidiana, mas, igualmente, o instrumento indispensável para que a vida política se desenvolva com tolerância, honestidade e compreensão.

Contudo, quando uma nação recupera o seu ser nacional, quando um país se reencontra, depois de deixar-se dissolver em tentativas fúteis e influências estranhas em relação ao seu modo tradicional de ser, a cultura converte-se numa força de projeções inimagináveis.

Este postulado é minha grande preocupação. Numa mensagem ao congresso, expliquei brevemente o desenvolvimento da cultura argentina e me referi à convicção que tenho em seu glorioso destino.

No plano de governo está demonstrado de maneira sistemática que a cultura está formada pela tradição e pelo ensino, e é conservada nas bibliotecas, museus e arquivos, aperfeiçoando-se pela união de seus fatores integrantes, a saber: o homem em seu afã de superação; a sociedade em seu progresso evolutivo nacional e o Estado como expressão de seus integrantes e no cumprimento de sua irrenunciável missão educadora.

À cultura que herdamos diretamente, ao nosso acervo tradicional, irei referir-me nesta noite. Mas é apropriado que eu dedique um breve espaço à origem de nosso saber: a cultura greco-romana, da qual devemos ser e somos continuadores, e que foi, em seu surgimento, síntese das que floresceram anteriormente, como a caldeia, a persa e a egípcia, culturas que se desvaneceram no tempo posterior a Alexandre [1] para serem absorvidas definitivamente pelas formas helenísticas.

Quero referir-me especialmente à cultura grega como base das conclusões a que devo chegar, porque ela está constituída em si mesma, e foi formada, por um processo muito característico, muito coerente consigo mesmo, tão robusto e definido e tão unido dentro de sua variedade, que não existiu outra forma de civilização comparável a esta.

A história da cultura grega é a exposição do prodígio que nos leva, subitamente, do sistema brutal da tirania oriental ao mais elevado e não superado apogeu da sabedoria humana. O florescimento da cultura grega foi chamado com razão de momento assombroso no qual se produz o fenômeno criador mais fecundo da vida da humanidade, porque facilitou a compreensão do cristianismo e deu lugar ao nascimento da civilização ocidental, e que ainda segue nutrindo com sua seiva as modernas disciplinas culturais.

 

*Excerto de discurso proferido em ocasião da concessão do título de doutor honoris causa a Juan Domingo Perón pelas Universidades Argentinas, em Buenos Aires, no dia 14 de novembro de 1947.

[1] Alexandre III da Macedônia ou Alexandre Magno.

 


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O Espírito Imortal*

Por Juan Domingo Perón


O prodígio da cultura grega consiste em que esta não somente surgiu e floresceu enquanto os helenos existiam, formavam povos, organizações políticas, sistemas artísticos, ordens arquitetônicas e escolas filosóficas, mas mesmo depois que estes povos foram dominados e até mesmo fragmentados e desapareceram enquanto Estados, o espírito grego continuou fecundando os séculos até o presente.

Tudo o que é grego pertence a um mesmo processo cultural. Nada que havia sido criado pelos homens que antecederam os gregos escapa de ser conhecido, compreendido, transformado - em uma palavra: helenizado, dentro desta variedade e ao mesmo tempo unidade característica, que se serviu, de maneira maravilhosa, do legado das civilizações anteriores ou contemporâneas. As formas de organização da sociedade, a matemática, a medicina, a arquitetura, a escultura, a poesia e o Direito já haviam sido criados e, em suas diferentes manifestações, foram aproveitados pelos gregos, que, por sua paixão pela medida e perfeição, transformaram radicalmente esses conceitos.

Isto foi possível em razão de um arranjo que situa o povo grego como progenitor da humanidade por seu gênio criador no âmbito do pensamento ao expressar os problemas filosóficos, desprezando mitos e preconceitos e antecipando-se através dos séculos com Platão e Aristóteles.

Um autor sintetiza o gênio grego com a seguinte relação: no pórtico do templo de Apolo em Delfos estavam gravadas máximas como esta; “Nada em excesso”; “Aceite a medida devida”. De acordo com a primeira sentença, todo excesso em si é um mal, de acordo com a segunda, a medida em si é um bem. Estão contrapostos, portanto, excesso e medida. Na época da maturidade do gênio grego essa compreensão da vida ganhará diversas formulações: uma na filosofia; outra na política; as restantes na arte. Todas elas nos apresentam o sentido do equilíbrio, a fórmula mágica da arte de conduzir homens e governar povos.

Os valiosos elementos que integraram a cultura grega foram, posteriormente, incorporados pelo povo romano. Roma acrescentou um sentido cujo propósito seria facilitar materialmente a compreensão e adoção dos princípios filosóficos gregos e a propagação e extensão do cristianismo, e, consequentemente, o desaparecimento dos mitos panteístas. Me refiro ao sentido de Império e ao conceito de Direito que, juntamente com a difusão da língua do Lácio no mundo civilizado, foi o fundamento determinante de nossa Civilização.

Não é necessário, para isto, analisar a história da monarquia, da república e do Império Romano como instituições políticas. Roma sempre foi imperial, porque, por desígnio divino, para a evolução do mundo, assim era necessário que fosse.

A verdadeira força de Roma desenvolveu-se em sua organização administrativa e em seu prodigioso gênio militar formado para defender o Império; na definição e evolução do seu Direito e no cultivo de sua Língua, que era difundida para os povos conquistados, os quais, ao apreender uma civilização tão elevada, contribuíam para universalizar e remodelar a cultura greco-romana no mundo conhecido, cuja capital era Roma.

Roma não ostentou formas científicas, mas assimilando os ensinamentos gregos prosperou de maneira assombrosa na arquitetura, astronomia, matemática, nas ciências físicas e literatura.

Permitiu, ainda, que sua cobiçada colônia, a Península Ibérica, se integrasse de maneira profunda com a cidade-mãe, que não somente lhe forneceu grandes escritores e filósofos, mas também imperadores. Os godos, os dominadores que se seguiram aos romanos, uma vez convertidos ao cristianismo, assimilaram a cultura romana que encontraram na Espanha, e, pelo uso do latim, deram lugar ao nascimento das línguas românicas e, com elas, ao idioma que falamos nas terras hispânicas. E quando Afonso, o Sábio [1], quis codificar o Direito Ibérico, deu forma ao Direito Romano, o fundamento dos primeiros códigos de lei que foram estudados e aplicados em nossa América.

Não devemos esquecer que, em seus últimos dias, o Império Romano foi cristão. Roma permanecia como capital do mundo e sede do Pontífice romano, e a cultura greco-romana, conservada durante a Idade Média em abadias e conventos depois da queda de Constantinopla, ressurgiu de maneira avassaladora com o Renascimento. 

 

*Excerto de discurso proferido em ocasião da concessão do título de doutor honoris causa a Juan Domingo Perón pelas Universidades Argentinas, em Buenos Aires, no dia 14 de novembro de 1947.

[1] Alfonso X (também conhecido como o Sábio, espanhol: el Sabio; 23 de novembro de 1221 - 4 de abril de 1284) foi rei de Castela, Leão e Galiza de 30 de maio de 1252 até sua morte em 1284.

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