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Vargas, Estado nacional e os trabalhadores: Uma análise dos anos de ouro para a classe trabalhadora

Getúlio Dornelles Vargas (1884-1954) foi uma das figuras políticas mais emblemáticas de sua época, senão o maior estadista brasileiro de todos os tempos. Seu estilo peculiar de lidar com a realidade política, e a introdução do trabalhador na vida econômica do Estado nacional, fizeram alguns historiadores chamarem-no de “populista”, segundo Fonseca e Salomão (2019), um conceito maleável, e que pode ter diversos significados para aquele que o aplica e para o que assimila o conceito aplicado. Quem não associa a figura de Getúlio com a de “pai dos pobres”?! Ou como um político despreocupado com o equilíbrio financeiro?! A década de 70 foi marcada pelo ataque da escola Uspiana ao período varguista, Francisco Weffort, cientista político e ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, defendia, em suas teses sobre o populismo, uma certa passividade da população, em que as massas seriam levadas pelos devaneios, a bel prazer do líder carismático, característica forte dos países da América-Latina, em especial Brasil com Vargas e Perón na Argentina.


Laclau (2013), em contramão, rompe com essa visão. Para ele, o povo que segue o líder carismático não pode ser tido como algo homogêneo, fruto de manobras das lideranças, sem um papel ativo no processo decisório. Em seu livro “A razão populista”, dentre uma das perspectivas abordadas, o autor defende que isso se dá em parte por fatores ligados a uma identidade nacional como etnia, religião, classe social, etc., em que os excluídos são integrados ao processo político, que a partir desse momento o líder político encontra meios de criar conexões com o povo, numa simbiose que é de interesse também da própria população. Nos apoiando então nessa visão do conceito populista em Ernesto Laclau, e adaptando-a para a realidade dos anos de 1930-1945, observamos que o governo Vargas foi de fato marcado pelo populismo político, mas com uma massa trabalhadora que lutara ativamente por seus direitos políticos, econômicos e, sobretudo, pelos direitos trabalhistas desde fim dos anos 10, tendo a ascensão do operariado brasileiro um importante fator de consolidação de tais lutas.


Neste processo de lutas pelas demandas trabalhistas, em um período de república-velha fatigada, essencialmente agrária e oligárquica, e do modelo federalista-liberal do Estado brasileiro representado pelas oligarquias cafeeiras, é que emergem a figura de Vargas e as forças que viram na revolução de 1930 uma oposição ao modelo de Estado liberal, mas principalmente uma nova relação entre trabalho, trabalhador e o líder populista, que muitas vezes personalizou o próprio Estado brasileiro.


Para que esta inserção do trabalhador acontecesse de fato, é interessante observar que houve uma mudança no modelo econômico do Estado brasileiro, pois sem este fator é inconcebível a relação que será criada por Vargas durante seus governos.


Foi efetivamente a partir de 1930 que o ideário desenvolvimentista se tornou a principal corrente norteadora da política econômica nacional. Contribuiu para isso não só a Grande Depressão, que expôs a fragilidade da economia agroexportadora, mas também a nova correlação de forças políticas que emergiu após a Revolução de 1930. (FONSECA & SALOMÃO, 2019).


Segundo Silva (2004, p. 31), “O movimento de outubro de 1930 marcou a transformação das estruturas políticas-sociais do Brasil. Com a deposição, pela primeira vez, de um presidente da República, encerrou-se todo um largo período de nossa história”. Com este movimento histórico, nasce então uma nova forma de gerenciamento do Estado brasileiro, rompendo com o antigo paradigma de um liberalismo econômico do século XIX que não mais atendia aos interesses do Brasil, um modelo agrário de Estado que atendia somente aos interesses das elites cafeeiras, tendo então por cenário uma população trabalhadora à margem dos processos decisórios, e a luta social tida como “caso de polícia”.


Mesmo sendo uma constituição de caráter autoritário, essa constituição é de suma importância para nossa análise, já que ela criou um elo maior entre os trabalhadores brasileiros e o poder executivo nacional, para Gomes (2000) “o Estado forte e altamente autoritário iria absorvendo o sistema decisório[...]”, portanto segundo a autora há um desarranjo dos poderes regionais e uma tentativa cada vez maior de nacionalizar as decisões econômicas e sociais do país.


Ainda prosseguindo na linha de Gomes (1999), o modelo Estado-novista pode ser visto como um novo delineador da questão do trabalho e das aspirações do trabalhador nacional, se anteriormente havia no ideário político e cultural uma ideia de que a pobreza era natural, e o trabalho era uma espécie de “martírio” dos pobres, isto é rompido com o governo Vargas, em especial a fase do Estado Novo que vai de 1937-1945. A história recente do trabalho no Brasil remeteria o ideário do povo juntamente aos das elites a esta configuração societária de pobreza natural, de trabalho precarizado, para a autora o primeiro impacto de ruptura que há nessa relação trabalho-trabalhador é com a abolição da escravatura em 1888 e a instalação da república brasileira no ano posterior (p. 54), sendo assim, é a partir desse momento que se começaria a pensar de forma estrutural as mudanças necessárias para a classe trabalhadora e seu papel como agente social de relevância maior para o Estado nacional. Gomes cita que:


O trabalho, desvinculado da situação de pobreza, seria o ideal do homem na aquisição de riqueza e cidadania. A aprovação e a implementação de direitos sociais estariam, desta forma, no cerne de uma ampla política de revalorização do trabalho caracterizada como dimensão essencial de revalorização do homem. O trabalho passaria a ser um direito e um dever; uma tarefa moral e ao mesmo tempo um ato de realização; uma obrigação para com a sociedade e o Estado, mas também uma necessidade para o próprio indivíduo encarado como cidadão (GOMES, P. 55)


É justamente nesse cenário que o Estado Novo se propõe como mediador da classe trabalhadora e dos patrões, buscando a valorização do trabalhador nacional, como um meio também de valorização espiritual (p.59), não apenas de um materialismo puro e simples, porque havia por detrás da ideologia trabalhista (ainda em construção) uma ideia de valor do trabalho também como dever moral, de integração ao trabalho, mas não mais de forma precarizada, que colocava a máquina acima dos operários (um sistema com bases tayloristas). Segundo Gomes, o Estado Novo buscou, acima de tudo, uma humanização do trabalho, não focando apenas em classes específicas, mas no todo da sociedade, todos aqueles que estariam aptos a contribuir para o valor social de seu trabalho seriam integrados nessa nova configuração.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


FONSECA, Pedro Cezar Dutra; SALOMÃO, Ivan Colangelo. O nacional-desenvolvimentismo em tempos de Getúlio Vargas (1951-1954). In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. [S. l.]: Civilização brasileira, 2019. v. 3, cap. 5, ISBN 978-85-200-1395-3. epub.


LACLAU, Ernesto. A razão populista. [S. l.]: Três estrelas, 2013. 384 p.

GOMES, Angela Maria de Castro. Ideologia e trabalho no Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado novo. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1999. cap. 4, p. 53-72.

GOMES, Angela Maria de Castro. Confronto e compromisso no processo de constitucionalização (1930-1935). In: GOMES, Angela Maria de Castro et al. O Brasil republicano: Sociedade e política (1930-1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. v. 3, cap. 1, p. 9-75.

SILVA, Hélio. História da república brasileira: A revolução paulista:1931-1933. 3. ed. São Paulo: Três, 2004. 186 p. v. 8.

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