George Steiner, em seu ensaio "The idea of Europe" ["A ideia de Europa"] publicado em livro em 2016, diz que há cinco axiomas que formam a ideia cultural de Europa:
1) os cafés: para Steiner, os cafés, na Europa, "são um lugar para encontros marcados e para conspiração, para o debate intelectual e para fofoca, para o flâneur, o poeta ou o metafísico em seus cadernos". Daí temos o café preferido de Fernando Pessoa, o café onde Kierkegaard se acolhia, após suas caminhadas por Copenhague.
2) o espaço geográfico transitável (mesmo a pé) e em proporções captáveis aos sensos humanos (as cruzadas, em parte, só foram possíveis por essa possibilidade de atravessar-se a Europa com uma facilidade impensável em outros continentes).
3) Ruas e praças que homenageiam estadistas, cientistas, artistas, escritores e pensadores do passado. A cultura universal se encarna assim no próprio meio urbano, diferentemente das cidades projetadas ou planejadas, com suas quadras e números.
4) a dupla (e tensa) origem da consciência europeia, filha de Atenas e Jerusalém. Para o crítico, "ser um europeu é uma tentativa de negociar — moral, intelectual e existencialmente — os ideais, proposições e praxis rivais da cidade de Sócrates e os da cidade de Isaías".
5) "A apreensão de um capítulo de encerramento, o do famoso pôr do sol hegeliano, que projeta suas obras sobre a ideia e substância de Europa mesmo em suas horas de sol a pino". Em suma, uma consciência teleológica e algo trágica de que o peso da história levará toda sua civilização ao soçobramento.
Agora proponho um esqueleto de ensaio sociológico (apenas superficialmente irônico e anarquista) sobre a "ideia de Brasil", numa paródia do ensaio de Steiner:
1) o butequim: não só a vida social, mas grande parte da vida intelectual brasileira se deu em botequins. Impossível não pensar na conversa em ritmo trocaico de Noel Rosa; nos piropos poéticos de Vinícius de Moraes, ou no encontro, também num bar, entre Cabral e Chacrinha (arquétipos de duas forças civilizacionais brasileiras), que foram colegas de escola na adolescência. O butequim é o centro da expansão etílica, social e estética.
2) os amplos vazios demográficos (sei que o termo é inapropriado): pode-se viajar 100 km pelas estradas brasileiras, principalmente (e surpreendentemente) no Sudeste, sem que se veja uma pequena cidade, apenas pequenas fazendas e sítios. Talvez seja um fator que gera a sensação "pascalina" de terror perante o "silêncio eterno desses espaços infinitos"; juntamente com o banzo africano e a melancolia portuguesa que se entranharam em nossas vidas.
3) Brasília e loteamentos ao longo do país com suas quadras de denominações impessoais, ocupações irregulares e grilagem de terras: a imposição (ou tentativa de regulação) da morada do homem que entra necessariamente em conflito com seu sentido de pertencimento à terra. Mas, junto a isso, a transformação criativa do brasileiro: a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), em 1970, que expulsou milhares de famílias, ironicamente levou à criação da CEI-lândia [cidade-satélite na periferia de Brasília].
4) a dupla (e tensa) origem da consciência brasileira, filha da República e de Canudos, entre um litoral modernizado e afeito ao mundo liberal e secularizado e um interior ainda imerso no ritmo arcaico e quase mítico. A oscilação entre os polos: maçonaria e pentecostalismo; na política passada: PSD e UDN; o doutor e Riobaldo.
5) A busca por seu télos no mundo caminha de mãos dadas à busca obsessiva por sua própria identidade. O paradoxo de encontrar-se numa plataforma geopolítica com recursos e sociobiodiversidade próprias de um império e, ainda assim, desde há décadas, sentir-se como que imerso numa névoa de imobilidade e desagregação nacionais.
Por ora, é isso.
Fabrício Tavares de Moraes é Doutor em Estudos Literários e autor de “À sombra da modernidade: ensaios sobre antimodernos”
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