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O “Iberismo Brasileiro” de Vamireh Chacon (1934-2023)

Observação: publicado originalmente como "El “iberismo brasileño” de Vamireh Chacon (1934-2023)" (El Trapezio, 29 dez. 2023). Tradução de Uriel Araujo


Só quem é, ao mesmo tempo, lusófilo e hispanófilo merece ser chamado de ibérico. Vamireh Chacon, um brasilianista brasileiro, como ele passou a se definir, falecido recentemente, era de fato duplamente iberófilo; deixou-nos um legado intelectual que será valorizado pelos brasilianistas espanhóis e – espero - pelos brasileiros e iberófonos em geral. Vamireh Chacon considerava que, para alcançar a unidade política entre os países de língua espanhola e portuguesa, era necessário, sobretudo, tempo e determinação para reconhecer e (re)construir uma “Iberidade cultural”: “Sou ibérico defensor de iberidade cultural, e mesmo de iberismo político quando estão ameaçados Brasil, Espanha, Portugal, e Ibero-América", disse-me, em comunicação pessoal.



Vamireh Chacon

Seu biógrafo, Luiz Otávio Cavalcanti (Vamireh Chacon Brasileiro e Internacional, 2021), afirma que falar de humanismo ou de reumanizar o Brasil implica em relembrar Vamireh Chacon e sua obra “O Humanismo Brasileiro” (Summus Editorial, São Paulo, 1980):

 

"O humanismo brasileiro nasceu contra-reformista, na batina dos jesuítas do Seminário de Olinda; cresceu barroco, filiado à beleza dos anjos do Aleijadinho; e consagrou-se ao reformismo social de Joaquim Nabuco. (…). Humanismo no pensar, barroco no pintar e reformista social no fazer. Fontes antropológicas do humanismo brasileiro. Elas descortinam dimensões regionais: na paulistanidade, humanismo pragmático; na pernambucanidade, humanismo libertário; na mineiridade, humanismo conciliador".

 

O fio condutor do humanismo brasileiro o levará a investigar “O Humanismo Ibérico”, livro escrito – por Vamireh – no “quadrilátero da luz”: Coímbra, Évora, Salamanca e Alcalá de Henares. Trata-se de uma refutação da lenda negra anti-espanhola (e, por extensão, anti-ibérica), por meio da reivindicação do pensamento humanista criado nas universidades ibéricas, onde existia um importante espaço criativo de inovação e crítica, apesar da Inquisição – eram universidades muito bem conectadas no período dos Filipes. No livro publicado em Portugal pela editora Estudos Gerais, Vamireh faz uma defesa da Segunda Escolástica e estuda a questão da modernidade. Nesta obra, aponta como pensadores ibéricos, como Molina, Vitória, Las Casas, Pedro da Fonseca, Suárez, António Vieira e João de São Tomás, influenciaram a ciência europeia nos séculos posteriores.


De fato, o cientista político brasileiro Vamireh Chacon, um dos primeiros discípulos de Gilberto Freyre, com estilo próprio, desenvolveu um iberismo cultural e geopolítico, todo terreno, transdisciplinar, multinível, como gostamos de dizer – e o fez muito antes de nós. Especificamente, em 2005, publicou A Grande Ibéria: Convergências e divergências de uma tendência, obra na qual sua visão da Iberidade cultural aproxima-se da minha própria visão do iberismo antropológico. Melhor dizendo: minha visão aproxima-se da dele - obviamente cada um fazendo-o a partir de seu itinerário intelectual e biográfico.


A iberidade remete-nos para a profundidade cumulativa das camadas identitárias/civilizacionais dos povos hispânicos e de língua portuguesa. Não se trata de uma mera troca emocional-intelectual, nem de um monopólio político. Vamireh, por influência portuguesa, preferiu evitar o termo iberismo ao falar do tema da iberidade cultural, tanto para evitar qualquer suspeita de que fosse mais um -ismo (isto é, um sistema aparentemente fechado), como para se distanciar da interpretação político-unitária que só alguns setores do nacionalismo português ainda hoje mantêm. Outros setores portugueses já reabilitaram um termo - iberismo - que, no caso, não representa um risco para a sua soberania estatal, mas é antes um reconhecimento de cultura partilhado e diz respeito antes a uma aliança geopolítica entre Estados soberanos. Eu, identificado com este último, de geração diferente da de Vamireh e priorizando novas fontes hispânicas e antigas fontes brasileiras (de caráter culturalista, de equilíbrio de ativos e passivos legados inter-geracionalmente), considero que o Sr. Vamireh Chacon é um ibérico (metodológico ); ele bem sabia disso e, em todo caso, fi-lo saber. Ele compreendia isso. Não é nada estranho, afinal. Vamireh faz parte da tradição do iberismo brasileiro, seja academicamente analítico e/ou comprometido com os valores tradicionais do personalismo ibérico e dos projetos geopolíticos futuros.

 

Pernambucano, desenvolveu grande parte de sua carreira na Universidade de Brasília e na Alemanha. Um heterodoxo e um conservador, em partes iguais, dialogava com a esquerda e a direita. Considerava o nacionalismo como um instrumento e não um fim em si mesmo, ou seja, um nacionalismo sempre ligado ao universalismo, ao (inter)regionalismo e comprometido com a integração do seu ambiente cultural, começando pela Ibero-América e pela Lusofonia, e terminando com todo o bloco da iberofonia

 

Em e-mails pessoais, Vamireh apresentou sua linhagem assim:

 

"Sou Albuquerque paterno luso-brasileiro e materno hispânico Chacon”. “Nunca me olvido que sou Chacon de antiga origem castelhana e da outro tanto origem portuguesa Albuquerque. Portanto sou ibérico antes de todas outras influências e convicções culturais. Minha mãe era Dulce Chacon, por coincidência o nome de seguinte escritora espanhola, e o meu pai Vicente de Albuquerque, dos primeiros colonizadores portugueses no Brasil de Pernambuco”. “Chacon es de antigua familia española en Brasil”. “Meu nome Vamireh é francês porque minha família Chacon teve parentes residentes em Paris”. “O nome de meu neto não é o luso-brasileiro Filipe e sim Felipe hispânico, homenagem ao grande, imenso Felipe II rei de Espanha, Portugal e Brasil, imperador da Europa e do maior império do mundo até hoje, por merecimento próprio e não só herdado de Carlos V pai".

Acrescente-se que o sobrenome Albuquerque tem muitos laços com a parte limítrofe Espanha.


Como disse seu biógrafo:


"Vamireh é um continente intelectual. Sua biografia é uma bibliografia. Têm trabalhos sobre sociologia, economia, direito, ciência política, relações internacionais. Weberiano, no alto da mágica montanha de Gilberto Freyre em Apipucos, no Recife. Fez parceria fraterna com um baiano, mais que nordestino, brasileiro, Eduardo Portella. “Sempre carregando a verticalidade pernambucana.” “Gilberto Freyre encaminhou Vamireh Chacon em espanhol aos 98 anos”, diz Luiz Otávio Cavalcanti. O próprio Vamireh me confessará “é um culturalista por influência alemã e espanhola, incluindo o menino germanizado Castelhano Ortega y Gasset, ao lado do menino telúrico andaluz Ángel Ganivet e do outro basco universal Miguel de Unamuno".

Na adolescência publicou três artigos na Folha da Manhã sobre temas ibéricos após uma viagem de três meses pela Europa.


Cavalcanti nos informa que no:


“contexto democratizante brasileiro, Vamireh Chacon viajou à Espanha, convidado pelo governo espanhol, para presenciar o plebiscito da nova Constituição democrática daquele país. Da viagem, resultou seu livro A Experiência Espanhola. Em seguida, Vamireh Chacon foi o orador oficial, quando da concessão do doutorado honoris causa, pela Universidade de Brasília ao rei da Espanha, em solene cerimônia no Teatro Nacional de Brasília. O rei da Espanha então condecorou Vamireh Chacon, com a Ordem de Isabel a Católica, rainha de Castela, casada com Fernando rei de Aragão, iniciando a unificação da Espanha. A rainha da descoberta da América pelo por ela patrocinado Cristovão Colombo. Na sua linha de iberidade, Vamireh Chacon foi convidado, pelo governo da Venezuela, para nela e na Colômbia, pesquisar e escrever a biografia Abreu e Lima, o General de Bolívar. E também sobre a participação de outro pernambucano, o poeta Natividade Saldanha, na libertária epopeia bolivariana, resultando no prefácio aos seus Escritos Políticos (Da Confederação do Equador à Grã-Colômbia), publicados em livro pelo Senado Federal, em Brasília. Estes livros de autoria de Vamireh Chacon levaram a Venezuela a também condecorá-lo com a Ordem do Libertador Simón Bolívar”.

A escrita de Vamireh, embora tenha o ziguezague do argumento e contra-argumento freyreano, não segue uma narrativa ou um vocabulário literário, nem emprega uma novilíngua elitista-científica; opta antes pela clareza, como disse Ortega, cortesia do filósofo . De profunda erudição, formula frases com golpes de martelo (parecem tweets), nas quais sintetiza - sob sua perspectiva e com muita habilidade - temas de grande complexidade e extensão. Ouvi-lo era como ouvir uma verdadeira metralhadora argumentativa. E, apesar disso, não se deixou seduzir pelo extremismo ou pela iconoclastia.


Em A Grande Ibéria condensa toda a história cultural, política e geopolítica de Espanha, Portugal e Brasil. Com um certo ar rabugento unamuniano, manteve-se sempre fiel à Lusofonia - reconhecendo a teimosa perseverança portuguesa - e tornou-a compatível com um moderado iberismo de aliança, como aquele que defendemos em EL TRAPEZIO. A Grande Ibéria é – como nos informa o próprio autor no início do livro – um texto de pesquisa sobre a história das mentalidades, a partir de ideias individuais e geracionais, no contexto da cultura brasileira e da civilização ibero-americana. Mais sociologia da cultura do que filosofia da história, sem propostas de utopias ou programas políticos, ou ideologias, é obra que esclarece. Trata-se de um livro para pensar o passado, o presente e o futuro geopolítico da Península Ibérica.


Pablo González Velasco – Brasilianista espanhol, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Salamanca, coordenador de ELTRAPEZIO.EU e especialista em iberismo e neobarroco, bem como na vida e obra de Gilberto Freyre e Américo Castro. Possui um blog chamado “Observatório de Geopolítica Panibérica”.



As opiniões expostas neste artigo não necessariamente refletem a opinião do Sol da Pátria

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