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Foto do escritorUriel Araujo

Na Ucrânia, a corrupção endêmica está destruindo a infraestrutura de energia

O tema da corrupção na Ucrânia, mais uma vez, está vindo à tona. De acordo com uma matéria (clique para ler) do jornal The Times escrita pelo correspondente de Kiev, Maxim Tucker, o país "falhou em construir bunkers para as subestações de eletricidade que as protegessem de ataques aéreos russos", deixando assim "o país vulnerável antes do inverno". Para "evitar o colapso de seu sistema de energia", a Ucrânia está, por enquanto, tendo que contar com "gabiões fornecidos pelos britânicos — são gaiolas rudimentares cheias de pedras", bem como "sistemas anti-ataque fornecidos por seus parceiros ocidentais".


Tucker revela que há a presença de militares e pessoal dos serviços de inteligência e espionagem britânicos (incluindo engenheiros), operando na Ucrânia. Eles, entre outras coisas, ajudaram a criar estruturas de concreto para proteger certos locais da rede elétrica contra ataques russos em meio ao conflito que segue em andamento. De acordo com o jornalista, os britânicos alertaram seus "colegas" ucranianos de que eles deveriam construir estruturas extras, o que não ocorreu: "nove meses depois, o governo do presidente Zelensky ainda não o fez, em meio a acusações de que a corrupção governamental paralisou o trabalho". Na verdade, cerca de 80 por cento da infraestrutura energética do país está atualmente danificada ou arruinada.


A situação é tão ruim que até mesmo o chefe da Agência Estatal de Restauração e Desenvolvimento de Infraestrutura da Ucrânia renunciou. Mustafa Nayyem dirigiu a agência governamental encarregada de preservar a infraestrutura estratégica, e ele havia solicitado € 1,4 bilhão para bunkers de "proteção de terceiro nível" usados ​​em subestações. Os recursos foram bloqueados, devido (ele alega) a "interesses velados" relacionados a subornos que não estão mais sendo pagos às autoridades de Kiev:


"Era impossível trabalhar. Quando você vê que a liderança do governo está criando alguns obstáculos artificiais para você, é inútil... Eles [o governo] não pagaram as empresas; essas empresas pararam todos os projetos."


O sucessor de Nayyem, Sergiy Sukhomlyn, é então citado, na mesma matéria, onde ele diz que as em questão estavam esperando "muito lucro" e então a Agência começou renegociar os contratos, redesenhando algumas das estruturas de defesa para assim cortar custos. A matéria do Times continua, descrevendo como os empresários licitantes são supostamente achacados por autoridades corruptas ucranianas:


“Uma das principais construtoras ucranianas envolvidas nos contratos de proteção de subestações teve seus escritórios invadidos por autoridades que, segundo afirmam, fizeram isso agiram sem mandado, e apreendendo computadores, telefones e documentos. A empresa também disse que o governo não liberou os fundos necessários para a construção dos bunkers.”


Em setembro, o líder ucraniano Volodymyr Zelensky demitiu Volodymyr Kudrytsky, o presidente-executivo da empresa estatal de energia da Ucrânia, devido aos cortes de energia no verão. Isso apenas consolidou mais poder com o próprio chefe de gabinete de Zelensky, que é o Andriy Yermak, e seu próprio círculo. De acordo com uma reportagem do Business Insider (BI), o Yermak acima citado (polícito e produtor de cinema judeu-ucraniano) seria o “braço direito” de Zelensky, bem como o “verdadeiro mediador e articulador” ["powerbroker"] do país. Ele é descrito como tendo consolidado uma nova oligarquia corrupta em meio à lei marcial que vigora à Ucrânia.


Yermak, "babá" de Zelensky. Fonte: Business Insider
Yermak, "babá" de Zelensky. Fonte: Business Insider

O artigo de dezembro de 2023 descreve, então, como Washington estava exigindo "numerosas reformas que a Casa Branca esperava que Kiev fizesse em troca da assistência financeira contínua dos Estados Unidos", incluindo uma "supervisão reforçada das empresas estatais no setor de energia". Nada disso aconteceu - e o dinheiro americano, mesmo assim, continuou chegando - mas isso pode mudar em breve com a nova presidência dos EUA, de Trump (que tomará posse em janeiro de 2025)


Ainda de acordo com o Business Insider (BI), durante o governo anterior Donald Trump (2017-2021), de fato, Yermak, "então um conselheiro de Zelensky, foi enviado para se encontrar com Rudy Giuliani, que, em nome de Trump, estava pressionando Kiev a investigar as ligações de Hunter Biden com a Burisma, a empresa de energia ucraniana". Na época, Yermak prometeu que Zelensky se comprometeria a investigar a Burisma (uma holding para exploração de energia que empregava o filho de Joe Biden, Hunter Biden). Isso nunca aconteceu.



A corrupção também desempenha um papel nos interesses geoeconômicos americanos na Europa Oriental e eu escrevi antes sobre os negócios obscuros da própria família de Joe Biden na Ucrânia. Voltando a Yermak, um de seus tenentes, Kyrylo Tymoshenko, é descrito como ainda sendo uma espécie de "guardião" com poder decisório ["gatekeeper"] em se tratando de projetos de construção do governo — Tymoshenko era vice-chefe de gabinete do presidente, mas renunciou no ano passado sob pressão em meio a uma campanha de combate à corrupção. Ele continua na prática sendo uma força política, no entanto.


Kyrylo Tymoshenko: Kyrylo Tymoshenko, político, produtor cinematográfico, marketeiro e empresário ucraniano
Kyrylo Tymoshenko: Kyrylo Tymoshenko, político, produtor cinematográfico, marketeiro e empresário ucraniano

Longe de ser uma questão de escândalos isolados, o problema sistêmico da corrupção na Ucrânia tem sido um assunto urgente. Como Tucker bem coloca, tem sido na verdade um dos maiores obstáculos para o objetivo do país de ingressar na União Europeia. A corrupção está longe de ser o único problema, no entanto. Os outros obstáculos incluem a falta de democracia (com a oposição política inteira tendo sido banida e colocada na ilegalidade) e a falta de transparência.


Outra questão, como escrevi antes, são os problemas de direitos civis (como já escrevi alhures) — trata-se de uma situação vigente que relega minorias como os russos a um status de segunda classe, de acordo com acadêmicos como Nicolai N. Petro, professor de ciência política na Universidade de Rhode Island, que foi bolsista Fulbright dos EUA na Ucrânia em 2013-2014. Esse é um problema também reconhecido pela Comissão Europeia para a Democracia através do Direito, mais conhecida como Comissão de Veneza. Este órgão europeu, entre outras coisas, já recomendou, em seu parecer, que Kiev revise a Lei da Língua Estatal e, além disso, que tome “ações positivas” para permitir que “minorias étnicas possam expressar sua identidade específica” a fim de cumprir com os padrões de direitos humanos do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (ECHR).


Eu já argumentei que a “Questão Ucraniana” é, na verdade, um desafio à própria ideia da Europa (como é imaginada). Essa questão causa um "curto-circuito”, por assim dizer, em alguns dos principais valores do próprio Ocidente: em outras palavras, ao acolher a Ucrânia pós-Maidan como “uno de noi”, o bloco europeu nega grande parte da narrativa de direitos humanos que supostamente é o cerne e até mesmo a raison d’être de suas principais instituições. É verdade que o Ocidente não é estranho à hipocrisia e, assim, tem estado mais do que disposto a fechar os olhos para os elementos fascistas e neonazistas do nacionalismo ucraniano (e até mesmo a abafá-los). Com a corrupção endêmica, no entanto, ocorre um problema estrutural que impacta a economia e agora está até mesmo sabotando os esforços de guerra.


Da perspectiva de Kiev, a situação, é claro, não deve melhorar com um governo Republicano dos EUA presidido por Donald Trump, restringindo a assistência enviada. Com a corrupção oligárquica, o nacionalismo chauvinista, uma guerra contra a Rússia impossível de ser vencida (incentivada pelo Ocidente), uma crise energética e o inverno que se aproxima, as coisas não estão nada boas para os civis ucranianos que continuam deixando o país em grandes números para fugir das novas leis mais severas de recrutamento militar.


Uriel Araujo, PhD (antropologia) é um pesquisador com foco em conflitos internacionais e étnicos.


O autor escreveu, originalmente em inglês, uma versão menor deste artigo - "Endemic Corruption Destroying Energy Infrastructure in Ukraine". Aqui traduzido e adaptado, pelo próprio autor.


As opiniões expostas neste artigo não necessariamente refletem a opinião do Sol da Pátria



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