Texto adaptado e traduzido de https://infobrics.org/post/37769/
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, em 15 de fevereiro, pediu aos estados membros da União Europeia (UE) que adotem mais um pacote de sanções, o décimo, contra a Rússia - desta vez, incluindo também empresas iranianas. As novas sanções devem ser anunciadas oficialmente em 24 de fevereiro, aniversário de um ano da campanha militar da Rússia na Ucrânia, e estima-se que atinjam cerca de 11,8 bilhões de euros em fluxos comerciais. É necessária, contudo, a aprovação unânime de todos os estados membros da UE. Se aprovadas, as sanções terão como alvo quatro outros bancos russos, bem como importações da Federação Russa e exportações para aquele país, incluindo veículos pesados.
Essas sanções também incluem uma proibição comercial e um pacote de controle de exportação de tecnologia que restringe vários componentes eletrônicos empregados em sistemas armados russos, como helicópteros, drones e mísseis. Tais medidas, em conjunto, são consideradas as mais pesadas já impostas pela Europa contra Moscou.
Além disso, segundo von der Leyden, esta é a primeira vez que o bloco europeu se propõe a sancionar órgãos e entidades iranianas como aquelas ligadas à Guarda Revolucionária Iraniana. Mais ainda, as autoridades europeias em Bruxelas estão discutindo uma quinta onda de sanções contra o Irã, desta vez relacionadas à questão dos direitos humanos, Elas incluirão listas negras de congelamento de ativos e proibição de vistos. Diplomatas israelenses têm pressionado por novas sanções a Teerã.
O objetivo declarado dessas medidas é tornar mais difícil para a Rússia financiar seus esforços militares e construir novas armas.
As muitas sanções aplicadas até agora não conseguiram dissuadir Moscou, que de fato intensificou sua campanha - até mesmo o secretário-geral Jens Stoltenberg admitiu que Kiev está perdendo o conflito. Segundo Henry Foy, correspondente europeu do Financial Times, um ano de conflito esvaziou bastante os estoques de armamentos da Europa.
Quanto ao Irã, sua moeda caiu para o valor mais baixo em relação ao dólar americano, em 21 de janeiro, e o país está enfrentando problemas internos e alta inflação.
Em relação à Rússia, no entanto, é amplamente entendido hoje que as sanções até agora saíram pela culatra, e, na verdade, têm desempenhado um papel significativo nas atuais crises energéticas no Reino Unido e no bloco europeu. Esta situação serve muito bem aos interesses dos EUA, enquanto os fabricantes de armas americanos têm lucrado com a perpetuação do conflito atual. A Europa hoje enfrenta uma desindustrialização (impulsionada pelos altos custos de energia), enquanto seu próprio aliado americano ameaça o continente com uma guerra de subsídios, que é ótima para as empresas americanas, contudo pode ser fatal para a indústria europeia.
Ademais, as sanções e seu impacto também trouxeram uma série de consequências não intencionais: por exemplo, o aumento global dos preços das commodities foi amplamente entendido como resultado das políticas de sanções ocidentais, e isso forçou o sul global a buscar mecanismos paralelos e alternativas. Além disso, o comércio internacional reconfigurou-se de uma maneira tal que pode abrir caminho para novas oportunidades políticas e diplomáticas, como já escrevi antes: no mundo pós-sanções, Moscou tem conseguido redirecionar grande parte de seu comércio para nações vizinhas, e isso pode de fato impulsionar a integração eurasiana; no mundo de hoje, é cada vez mais difícil isolar as indústrias locais das disputas geopolíticas.
Neste momento, as mudanças geopolíticas provocadas pela nova guerra fria e pela crise na Ucrânia aproximaram ainda mais a Rússia e o Irã. Ambos os países estão fortalecendo seus laços militares e Teerã planeja comprar o caça avançado Sukhoi Su-35 da Rússia, conforme anunciado pelo brigadeiro-general Hamid Vahedi, comandante da Força Aérea da República Islâmica do Irã. Este é um fato bastante significativo por si só: até agora, a China continua sendo a única nação a ter comprado esse tipo de caça da Rússia. Tal compra teria o potencial de mudar o atual equilíbrio regional do poder aéreo no Golfo Pérsico.
Esses desdobramentos fazem parte de um processo ainda maior: em setembro de 2021, escrevi sobre como a admissão do Irã na Organização para Cooperação de Xangai (OCX) como membro permanente foi a concretização de um conceito eurasiano mais amplo. O Irã, assim como outros membros da OCX, tem uma preocupação imediata e de longo prazo com a estabilidade do Afeganistão e da Ásia Central, por exemplo. Além disso, o Corredor Internacional de Trânsito Norte-Sul (INSTC), mais uma vez em destaque, pode se tornar uma nova rota promissora e até uma alternativa ao Canal de Suez. Desafiando as sanções, a nação persa, com a ajuda da Rússia, pode voltar a ser um centro de trânsito regional, como sempre fora historicamente.
Curiosamente, o Departamento de Estado dos EUA sinalizou que o acordo nuclear com o Irã, o Plano de Ação Conjunto Global (em inglês, JCPOA), não está necessariamente morto - por exemplo, em 10 de fevereiro, Washington notificou oficialmente o Congresso dos EUA, avisando que renovaria um mandato de seis meses de suspensão das sanções americanas contra apoios estrangeiros, chineses e russos ao programa nuclear da República Islâmica. Essa era uma das principais exigências do JCPOA.
A verdade é que o cenário global mudou, tanto econômica quanto politicamente, e a Rússia precisa desenvolver novas cadeias de suprimentos. O Irã desempenha um papel importante nisso e ambos os países têm interesse em trabalhar juntos para combater os esforços ocidentais de isolá-los economicamente. Embora as novas sanções europeias possam trazer alguns danos, especialmente ao Irã, elas também podem sair pela culatra como as anteriores e podem acabar impulsionando a integração eurasiana.
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