A ideia de que Portugal era uma ''nação moderna'' quando iniciou as Grandes Navegações e a Colonização da América é equivocada. "Modernidade" pode significar muita coisa, mas seus elementos mais fundamentais estavam ausentes de Portugal, cuja mentalidade, valores, hierarquia social, ideologias de poder e instituições estavam mergulhadas em concepções medievais (aliás, a mesma coisa vale para as cidades italianas entre os séculos XIV e XVI, ainda que em contexto diferente: aquelas elites tinham valores e horizontes nobiliárquicos, não burgueses em um sentido moderno).
Todas as ''novidades'' implicadas nas Grandes Navegações Lusas -- desde a escravidão, o império talassocrático, e o consequente crescimento do comércio -- se adequavam a esta estrutura institucional e mentalidade profundamente arcaísta. Neste sentido, Portugal vivenciava uma realidade muito diferente da que atingia, desde os fins do século XVI, tanto a Holanda quanto a Inglaterra. O envolvimento com o comércio, por si só, não altera esse cenário: a aristocracia de Castela tinha envolvimento com o comércio de lã desde a Reconquista, e era uma das mais arcaístas e belicosas de toda a Europa.
É perfeitamente defensável afirmar que, entre os séculos XVI e XVIII, estava sendo criada na América Portuguesa um "Antigo Regime" nos trópicos. Há linhas de pesquisa inteiras na Academia sobre esse tema. Evidente que o Brasil passou, a partir de fins do século XVIII, por projetos de modernização em diversos âmbitos, e boa parte deles são bem vindos. Mas o legado arcaísta e pré-iluminista está lá, modelando e formatando a própria modernização. O debate correto é sobre se esse legado deve ser superado ou assumido em seus princípios mais basilares. É o debate que atravessa boa parte da Academia brasileira há um século.
Os problemas do enquadramento de Portugal desse período como nação "moderna" estão em uma abordagem histórica feita antes por 'formas' e 'modelos' abstratos. Muitas vezes se faz um recorte do que se pensa ser a Modernidade [geralmente associada a um conjunto de elementos como "humanismo renascentista'', ''ascensão do comerciante'', "estado absolutista'' etc.] e se aplica a qualquer sociedade europeia da época que apresente um desses elementos. Por exemplo, a mobilidade social nunca esteve ausente da Europa Medieval. Uma casa nobiliárquica costumava durar, em média, quatro ou cinco gerações na Idade Média Central. No caso português, a ascensão se dava por serviço ao Rei. Mas não como mérito exatamente e sim antes como Graça, como ''mercê régia'', que era capaz de tornar um plebeu em nobre, ou um pequeno príncipe em um alto aristocrata. Não era uma mudança apenas social ou econômica, mas existencial. Era um dádiva, um mecanismo de reciprocidade, mergulhado em concepções profundamente arcaístas e personalistas, imbuídas de uma perspectiva ''sobrenatural'' do mundo, e não meritocráticas em um sentido moderno.
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