"Atlantis", álbum do compositor, artista gráfico e antropólogo Andras Atlason, é indicado não só para apreciadores de parte do cânone da era de ouro do rock progressivo, como Gentle Giant e King Crimson, mas também para fãs de projetos contemporâneos, como Porcupine Tree e as suecas Opeth (sobretudo os álbuns sem os acintosos e duvidosos vocais guturais) e Anekdoten. Bom, eu não estaria resenhando um projeto que se limitasse apenas a arremedar tais sons. Arremedadores grassam aos quatro ventos por cá. "Atlantis" tem luz própria, irradiando tanto as luzes boreais, quanto as meridionais. Andras passeia com desenvoltura pelo folk progressivo e pelo sinfônico.
"Atlantis" é, com efeito, um ábum de um "one man band". Sob os auspícios de Brágui, deus nórdico da música, da poesia e protetor dos trovadores, Andras opera sua arte bárdica lançando mão de guitarra, baixo, bateria (conduzida por Flávio Coimbra), piano, teclados/synths, violino, violoncelo, oboé (Ecos do Rei Escarlate?!), flauta bansuri indiana, bouzouki grego -- instrumento da família do alaúde. Cousa fina, hein?!
Liricamente, trata-se de uma síntese entre a poesia escáldica e o romanceiro português, luso-brasileiro, inclusive. Ele musicou os poemas "Nos portões de Atlântida" e "Navio Fantasma", do também multi-instrumentista, vocalista e escritor Alex Sugamosto, que lançara o excelente "Atanário", além de ser membro da banda Amitaba. Lembremos que Peter John Sinfield, co-fundador e ex-letrista do King Crimson, é poeta.
Andras musicou, inclusive, o poema "Ismália", de Alphonsus de Guimaraens. Prog rock e poesia simbolista têm tudo que ver, óbvio! Ora, a criação de atmosferas, de síncopes e de ambiências típicas do charmoso subgênero do rock guarda patentes analogias com a sinestesia, o vocabulário etéreo, as pausas e a musicalidade rítmica do simbolismo.
Ademais, as letras em feroês (o Sr. Atlason é brasileiro-feroico) conferem ainda mais elegância ao disco em tela. As letras em feroês limitam, pois, a imersão no álbum? Ao contrário, o lirismo de "Atlantis" devolve a palavra à natureza. Explico: mar, fjordes, vales glaciais, a vastidão da noite, a lua do céu e a lua do mar, "tudo é linguagem e tem sentido", como disse o saudoso Claudio Willer a propósito da semiologia de Artaud, que tentou resgatar os signos da mentalidade cartesiana, usurpadora da natureza enquanto geradora de sentido e de discurso. Portanto, mesmo sem entender lhufas de feroês, me fiando ao significante (para o linguista Saussure, "significante" é a impressão psíquica do som de uma determinada língua) e à prosódia desse idioma, sou tomado de imagens do mar mítico, tomado de imagens que reverberam textos de Snorri Sturluson, do Saxo Grammaticus, a Gesta Danorum e até mesmo de hinários luteranos.
Nota 10 com louvor. "Atlantis" pode ser encontrado nas principais plataformas de streaming de música.
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