Sol da Pátria - traduzido e adaptado do portal Infobrics (orginalmente publicado em 20 de outubro de 2023)
Muita coisa tem sido escrita sobre a crise na Palestina e as suas consequências internacionais. Entre outras coisas, os planos do Presidente dos EUA, Joe Biden, de solicitar um novo pacote de ajuda militar à Ucrânia, o maior já concedido, (100 bilhões de dólares extras) estão cada vez mais longe de se tornarem realidade agora que se intensifica a pressão para Washington aumentar o seu apoio a Israel. Muita atenção também está sendo dada às tensões entre Israel e Irã, por exemplo. Contudo, pouco se fala sobre o impacto que a nova guerra travada por Israel poderá ter na Armênia.
Os armênios têm enfrentado seu próprio calvário, em grande parte ignorado pela maior parte da comunidade internacional. Estima-se que, em 30 de setembro, mais de 100 mil pessoas fugira da região de Nagorno-Karabakh – também conhecida como Artsakh – em menos de uma semana, região esta historicamente considerada uma pátria sagrada dos armênios. Trata-se de área na disputada fronteira entre a Armênia e o Azerbaijão, incorporada ao Azerbaijão de forma bastante arbitrária nos primeiros anos de governo soviético.
A disputa não resolvida tem se prolongado e, mais recentemente, o Ocidente liderado pelos EUA tem, em realidade, se beneficiado muito dela. Então, em 28 de setembro, a república separatista de Artsakh deixou de existir após uma vitoriosa campanha militar levada a cabo pelas autoridades do Azerbaijão em 19 de setembro – na verdade, uma série de operações que envolveu ataques de drones e artilharia pesada para assim desmantelar o que as autoridades consideravam um “regime ilegal”. Assim, como já mencionado, quase toda a população de etnia armênia abandonou o antigo enclave armênio desde a invasão e o controle militar estabelecido pelo vizinho Azerbaijão. O Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, declarou que a soberania de Baku sobre a região tinha sido restaurada “com mão de ferro”. De acordo com o especialista em direito internacional (e também membro do Conselho de Relações Exteriores – Council on Foreign Relations – CFR, em inglês) David J. Scheffer, “a população de etnia armênia do enclave Nagorno-Karabakh, no Azerbaijão, uma comunidade predominantemente cristã em uma nação predominantemente muçulmana, está sofrendo uma limpeza étnica em ritmo acelerado.”
O embaixador itinerante da Armênia, Edmon Marukyan, entrevistado pela BBC, também descreveu a situação como envolvendo “[uma população] sofrendo limpeza étnica de seu lar ancestral, de suas casas, onde os seus pais, onde os seus antepassados viviam e essas pessoas foram completamente eliminadas deste território.” Salpi H. Ghazarian, diretor do Instituto de Estudos Armênios da USC Dornsife (The USC Institute of Armenian Studies, em inglês), descreveu a crise atual como “a maior catástrofe armênia desde o genocídio dos armênios otomanos em 1915”. Desde dezembro de 2022, escreveu Diana Roy (editora do Council on Foreign Relations), as condições de vida dos residentes de Nagorno-Karabakh estavam “deteriorando-se”, “após o Azerbaijão ter restringido o acesso e, posteriormente, estabelecido um bloqueio ao Corredor de Lachin”.
Esses desdobramentos suscitam a questão: por que Washington não oferece apoio à Armênia e Artsakh, mesmo depois do Secretário de Estado Antony Blinken, na semana passada, ter alertado que o Azerbaijão poderia em breve invadir a Armênia, como relatado no portal Politico? A relação especial dos EUA com Israel pode fornecer parte da resposta, de acordo com Harut Sassounian, chefe do United Armenian Fund (Fundo Armênio Unido) e ex-delegado não-oficial dos direitos humanos nas Nações Unidas em Genebra. Os fabricantes de armas israelenses, afirma Harut, fornecem 60% do armamento avançado do Azerbaijão.
Além disso, a Associated Press (AP) informou que o Estado judeu ajudou Baku a tomar o controle de Artsakh, com fornecimento de armamento pesado poucas semanas antes da operação. Arman Akopian, embaixador da Armênia em Israel, declarou sem rodeios: “estamos muito preocupados com o fato de que as armas de Israel estão sendo disparadas contra o nosso povo”. Em Julho, Yoav Gallant, Ministro da Defesa israelense, visitou Baku e elogiou a “luta conjunta contra o terrorismo” e a cooperação militar entre os dois países. O Azerbaijão é um grande fornecedor de petróleo para Tel Aviv, além de um aliado estratégico contra um inimigo comum, a República Islâmica do Irã.
Assim sendo, não surpreende que, na Armênia, os sentimentos anti-Israel estejam aumentando entre o público em geral. O antissemitismo também tem aumentado: no início de outubro, um grupo radical armênio, os Jovens Combatentes pela Liberdade da Armênia (Young Fighters for the Freedom of Armenia – YFFA, em inglês), por exemplo, atacaram uma sinagoga judaica em Yerevan utilizando spray e um coquetel molotov, como retaliação às relações israelo-azeris.
Israel tem sido alvo de duras críticas e protestos no cenário internacional devido ao intenso bombardeio de alvos civis na Palestina depois dos atentados perpetrados pelo Hamas em solo israelense. Em 13 de Outubro, patriarcas cristãos e líderes religiosos em Jerusalém, incluindo o Patriarca Latino (Católico Romano) de Jerusalém, Pierbattista Pizzaballa, emitiram uma declaração conjunta, exigindo que Tel Aviv evitasse matar inocentes. O embaixador israelense junto à Santa Sé, Raphael Schutz, criticou duramente o documento pelo fato deste não condenar o Hamas.
Relatos de locais sagrados para os cristãos e igrejas que também se tornaram alvos de ataques (como a Igreja Ortodoxa de São Porfírio) tem o potencial de igualmente provocar indignação entre os cristãos em geral - particularmente em regiões do mundo de maioria cristã ortodoxa e ortodoxa oriental (“pré-calcedoniana”), como, por exemplo, a Armênia. As crises humanitárias, tanto na Armênia quanto na Palestina, são conflitos étnico-políticos acalorados que carregam também implicações religiosas para muitas populações e têm o potencial de repercutir no mundo inteiro.
Enquanto isso, o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, enfrenta agora uma onda de protestos em Yerevan e em todo o país devido à crise. Como argumentei, a sua guinada política em direção ao Ocidente foi, de modo geral, um grande fracasso. A campanha de Pashinyan para que seu país aderisse ao Tribunal Penal Internacional, depois que este emitiu um controverso mandado de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, pode ter sido um balde de água fria nas já prejudicadas relações russo-armênias. Os novos aliados ocidentais de Pashinyan simplesmente não atuarão como garantidores da segurança da nação armênia, como fazia Moscou, com 2.000 soldados russos atuando como forças de manutenção da paz.
Como escrevi, além de uma catástrofe humanitária, a vitória do Azerbaijão, apoiado pela Turquia, torna ainda mais complicado o já complexo equilíbrio de poder no Sul do Cáucaso, uma região onde Israel também tem interesses em jogo. As estreitas relações mantidas com o Azerbaijão e o comércio de armas entre os dois países está cada vez mais sendo objeto de atenção e crítica, e os países ocidentais podem pressionar Tel Aviv a repensar a questão, enquanto Israel já tem de lidar com toda a repercussão midiática negativa causada pela sua campanha militar na Palestina. Resumindo, apesar da turbulência geopolítica no Oriente Médio, o olhar de Israel continua também voltado para o Sul do Cáucaso.
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