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Trabalhismo versus Ditadura civil-militar: uma resposta a um nacionalismo desorientado

Felipe Quintas respondeu a meu texto “O que os Nacionalistas têm a aprender com o Socialismo Científico” com uma defesa do regime civil-militar, que ele considera a realização dos ideais trabalhistas, já que, argumenta, os líderes do movimento trabalhista teriam sido incapazes de pôr em prática sua visão, pois viveriam iludidos por uma visão utópica da realidade brasileira. Assim, Quintas enxerga no governo dos Generais a aplicação “científica” do Trabalhismo e algo a ser emulado pelos próprios trabalhistas (vide “O que os Trabalhistas tem a aprender com o Regime Militar”).



Antes de entrar no cerne da questão, cumpre desfazer uma confusão do texto do meu interlocutor. Segundo ele, eu fracasso quanto tento aplicar os princípios mais básicos do marxismo porque, afirma, eu acredito em uma dissociação completa entre o arcabouço jurídico e a estrutura de classes. Porém, essa alegação não passa de uma má leitura do meu texto, que, na verdade, defende que o sentido da legislação deve ser contextualizado e aprofundado por uma abordagem que estude também a luta política e a dinâmica social implicada na elaboração, interpretação e execução das leis. A prova de que não considero o arcabouço jurídico como sendo uma farsa somente é o fato de que, feita a ressalva, eu inicio o parágrafo seguinte tratando de aspectos relevantes da ação legislativa do regime. É surpreendente que Quintas não tenha percebido isso, já que tenta responder também a essas críticas no corpo do texto dela.


É também surpreendente que, ao buscar comentar meu exemplo sobre a República Velha, ele se refira a uma suposta “formalidade eleitoral censitária”. Erro crasso, já que o voto censitário foi eliminado pelo arcabouço jurídico republicano – as oligarquias estabeleceram outras restrições ao voto popular, ainda mais rígidas que as do Império. Além disso, em nenhum momento, afirmei que as eleições da primeira República eram desprovidas de função, e sim afirmei que se deve levar em conta as fraudes sistemáticas que as acompanhavam, fraudes estas que faziam com que não possamos caracterizar aquele arranjo político como uma democracia liberal clássica. Portanto, o meu exemplo permanece de pé, principalmente para aqueles que, dando atenção só ao “papel”, concluem erroneamente que se tratava de uma época de democratização do processo decisório e de ampliação da cidadania. De todo modo, é suficiente, para meu propósito, que Quintas tenha admitido a existência da luta de classes, como vou apontar ao longo deste texto.


Meu interlocutor também cai em confusão parecida quando imagina oferecer um contra-argumento ao frisar o papel decisivo dos militares na Era Vargas. Estou na primeira fila dos que consideram as Forças Armadas instituições indispensáveis para o país e pilares do período revolucionário getulista, que se estendeu entre 1930 e 1945. Contudo, a preservação da instituição implica também em saber que, em termos político e ideológicos, ela nunca se constituiu em um bloco homogêneo, elemento de análise omitido no texto de Quintas.


Getúlio Vargas só pôde se apoiar nas Forças Armadas porque priorizou determinadas correntes no interior da corporação, como a de Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, favorecendo a centralização do Exército em torno dessas figuras. É a divisão político-ideológica no seio do alto oficialato que explica a importância das eleições do Clube Militar entre 1945 e 1964, e que explica movimentos como:


● o de Henrique Teixeira Lott em prol da posse de JK;

● a Junta Militar de 1961, que buscava impedir a posse de Jango;

● o apoio do Comandante do III Exército, General Machado Lopes, à Campanha da Legalidade de Leonel Brizola, quebrando assim a coesão de Generais necessária ao sucesso do Golpe de 1961.


É o que explica também os expurgos realizados após 1964. Um levantamento de Cláudio Beserra de Vasconcelos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), indica que milhares de militares foram afastados e até torturados e presos pelo regime, incluindo aí dezenas de Generais.


Como apontou Gláucio Ary Dillon Soares, a unidade da maioria dos oficiais superiores em torno do Golpe de 1964 se deveu a valores corporativos: eles consideraram Goulart uma ameaça para a hierarquia das Forças. Porém, havia discordâncias ferrenhas entre as alas militares, existindo, entre elas, diferentes interpretações dos caminhos a serem seguidos. É por isto que se fala, de modo até simplista, em uma “linha-dura” e nos “moderados”. Se dedicar sua atenção a essas disputas, Quintas vai entender a dinâmica por trás de iniciativas como o Estatuto da Terra, estabelecido no Governo Castelo Branco, que substituía o Estatuto do Trabalhador Rural (de março de 1963), por meio do qual Goulart havia estendido a CLT para os trabalhadores do campo.


Convém notar ainda a ação política de oficiais como Albuquerque Lima, considerado da “linha dura”, mas que defendia a Reforma Agrária no Nordeste como meio de estabelecer Justiça Social, afastar o “fantasma do comunismo” e impulsionar o mercado interno. Albuquerque Lima foi figura determinante na ascensão de Costa e Silva, no estabelecimento da Zona Franca de Manaus e na defesa da integração territorial, econômica e demográfica da Amazônia. Porém, ele saiu do governo em 1969, acusando-o de ter sido capturado de vez pela influência de mega-corporações econômicas estrangeiras nas decisões do governo, em prejuízo às empresas nacionais. Entrou na disputa pela sucessão de Costa e Silva, com amplo apoio dos nacionalistas e anti-americanos, dos jovens oficiais e também da maior parte da Aeronáutica e da Marinha, mas foi tirado do jogo pelos que temiam um Presidente que desagradasse os principais homens de negócio de São Paulo. Médici assumiu o governo porque o candidato mais anti-imperialista fora proibido de competir, já que o regime não podia escapar de sua própria natureza, como pretendo esclarecer mais à frente. É evidente que a Reforma Agrária se tornou letra morta e mais de trinta milhões de brasileiros foram expulsos do campo, fornecendo assim mão de obra barata para as indústrias e serviços, inflando e favelizando as metrópoles.


É por não levar em conta estes conflitos que Quintas qualifica o regime simplesmente de “militar”, reproduzindo o mito da Nova República que critico em As Vestes Rasgadas da Nação. No meu texto, prefiro chamá-lo de regime civil-militar, indicando assim que não se tratou de uma imposição dos quartéis a uma sociedade civil desprotegida, mas sim foi fruto da aliança de determinados setores do alto-oficialato com determinadas elites e com classes médias, dinâmica esta que escapa inteiramente à análise institucionalista do meu interlocutor. Embora admita uma sociologia do conflito, Quintas fecha os olhos para os embates flagrados na dimensão político-ideológica, os quais lhe permitiriam observar a luta de classe que ele próprio, repito, confessa existir.


Não pretendo esmiuçar outras estratégias retóricas da resposta que me foi dada, como a de citar continuamente a China Comunista como referência. Mencionei o marxismo, mas não me abraço a todos os princípios desta teoria, nem faço de qualquer regime estrangeiro modelo que o Brasil deva importar, seja ele o chinês ou o russo. As experiências estrangeiras têm suas positividades, às quais devemos estar atentos, mas se tratam de realidades civilizacionais, políticas e sociais muito diferentes da nossa. Para um brasileiro trabalhista, o regime chinês traz algumas lições, mas traz também elementos execráveis e incompatíveis com nossa mentalidade. Copiar pura e simplesmente o modelo da China, ou da Rússia, seria deixar a história de lado, e também violaria princípios básicos do próprio marxismo, como bem sabe Quintas.


Com o terreno mais limpo, vejamos se meu interlocutor está correto ao dizer que os trabalhistas têm de aprender com o governo dos Generais. O Trabalhismo se fundamenta na luta pela:


i. libertação do povo brasileiro dos grilhões do Imperialismo e das classes internas associadas à espoliação internacional;

ii. estabelecimento de uma Democracia Social; e

iii. Desenvolvimento harmônico das forças produtivas.


A ditadura defendida por Felipe Quintas deu passos rumo a estes objetivos, de modo mais consequente, eficiente e responsável que os governos trabalhistas que ela depôs?


O primeiro ponto já coloca dificuldades insuperáveis para um nacionalista que queira defender o regime oriundo de 1964. Estabelecido em meio à tentativa das superpotências de congelarem suas respectivas áreas de influência e minimizarem a possibilidade de um conflito nuclear, e sob o impacto da revolução nacionalista e comunista de Cuba, o Golpe contou com forte participação do Departamento de Estado dos EUA. O slogan “Chega de intermediários: Lincoln Gordon para Presidente do Brasil” com o qual a esquerda denunciava os movimentos do Embaixador norte-americano, estava longe de ser um mero conspiracionismo. Sua veracidade pode ser atestada por inúmeras fontes, inclusive norte-americanas.


É nesse contexto que devemos entender a revogação da Lei de Remessas de Lucros de João Goulart, que Quintas diz eufemisticamente ter sido apenas “flexibilizada”. Desde a aprovação do projeto de Celso Brandt, deputado federal da Frente Parlamentar Nacionalista, em novembro de 1961, até a Lei final de Remessa de Lucros, do ano seguinte, a Embaixada dos EUA acompanhou minuciosamente os debates sobre o tema, com relatórios e memorandos que relatam conversas de membros do Departamento de Estado e de banqueiros norte-americanos com parlamentares e industriais brasileiros. Lincoln Gordon, em nítida interferência na política interna do Brasil, qualificou a limitação de remessas de lucros como “fato perturbador”. A regulamentação posterior da lei provocou comentário em relatório oficial do Departamento de Estado, explicando a medida como “influência comunista cada vez maior sobre o governo de Goulart”, uma senha para o golpe [Moniz Banderia, 2007].


E já que Quintas admite a existência da luta de classes, e dado que nenhuma reviravolta política no país pode ser explicada tão somente pela vontade de agentes exteriores, é necessário notar a mobilização e a articulação de parte do alto empresariado brasileiro. Se é verdade que grupos de industriais apoiavam a lei de Remessas de Lucros, como José Ermírio de Moraes, Ramiz Gattás e Fernando Gasparian [Maria Antonieta Leopoldi, 2000], outras frações de classe, mais vinculadas ao capital estrangeiro, criticaram veemente a medida. Dentre eles, destaco Giulio Lattes, Presidente da Associação Comercial de São Paulo, que qualificou o projeto Celso Brandt de “caminho aberto para a introdução do comunismo no Brasil”; e Rui Gomes de Almeida, Presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro e liderança do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), dedicado a obstaculizar a difusão do socialismo no Brasil. A aliança entre uma ala poderosa da alta burguesia paulista e o Departamento de Estado já era clara para os contemporâneos, como se lê no artigo “When Executives Turned Revolutionaries - a story hitherto untold: how São Paulo businessmen conspired to overthrow Brazil's Communist-infected government", em que Philip Siekman esmiuça a conspiração entre empresários e Lincoln Gordon pela deposição de Goulart. Estavam dispostos a mergulhar o país em um Guerra Civil, com interferência ianque, caso necessário.


Talvez Quintas imagine driblar essas evidências com a alegação de que a História é repleta de contradições. Afinal, ele lembra que Deodoro, um general monarquista, proclamou a República. Porém, a contradição de Deodoro é biográfica, pessoal, e não indica, por si só, nenhum paradoxo profundo no processo político, social e econômico que levou à queda do Império, processo que inclui, a saber, a ascensão da cafeicultura paulista, a crise ideológica do trabalho escravo, o fim do tráfico atlântico, a ascensão do positivismo no seio do oficialato militar, a importância do Exército após a Guerra do Paraguai etc. Contradições históricas existem, mas meu interlocutor teria de aprofundar muito mais a análise para negar a continuidade que existe entre, de um lado, a ação imperialista e a guerra de classe contra o povo e a deposição de Jango e, de outro lado, as medidas legais que se seguiram ao Golpe. Essa continuidade ilumina inclusive os queixumes de Albuquerque Lima, mencionados anteriormente.


Não espanta, portanto, que a pré-condição dos planos econômicos levados a efeito no período tenha sido o arrocho salarial e a contenção de investimentos sociais. Conforme apontei no texto anterior, os gastos em Educação despencaram pela metade em proporção ao PIB, tornando programas de alfabetização meros adornos de uma geração condenada a serviços de baixa qualificação. O descalabro foi acompanhado pelos acordos MEC-USAID, assinados entre 1964 e 1976, que reduziam o sistema educacional a uma perspectiva tecnicista orientada pelo conceito de “capital humano”. Não houve projeto cultural sistemático e as Universidades tiveram seu propósito deturpado, sendo, a partir daí, não mais encaradas como instituições de Estado, e sim como elos de transmissão de um colonialismo mental que só cresceria a partir de então. Os gastos com a Saúde giravam em torno de 1% do Orçamento (enquanto os com Transportes chegavam a dois dígitos), e não houve qualquer esforço para universalizar o acesso da população.


Pelo contrário, o Inamps transferiu uma infinidade de recursos para a mão de empresas. O Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), criado em 1974, é demonstração cabal de que não basta ao meu interlocutor citar siglas de instituições criadas pela ditadura dos Generais sem a devida contextualização. Com recursos angariados principalmente da Loteria Esportiva, o FAS destinou 70% de seus gastos em Saúde para clínicas particulares do Rio de Janeiro e São Paulo, com juros subsidiados e correção monetária abaixo da inflação [Cordeiro, 1983]. Os hospitais particulares praticamente monopolizavam as internações em 1976 (98%, segundo estudo de Cordeiro em 1980). A mesma tendência se verificava nos atendimentos ambulatoriais, mais da metade dos quais realizados em empresas contratadas [Almeida e Pêgo, 1983]. Não espanta que o número de empresas de saúde explodisse mais de 200% na primeira década do regime. Mais um “milagre” do qual o povo pouco se beneficiou, como demonstra a estagnação da diminuição da mortalidade infantil entre 1965 e 1970, segundo dados do IBGE, e como mostra seu recrudescimento em São Paulo, metrópole em que o índice subiu de 60 óbitos por mil nascidos vivos em 1961 para 90 por mil em 1973, de acordo com Luís Eduardo Soares.


A mesma lógica se aplica à política salarial. Quintas admite a perda de poder real do salário mínimo, mas contesta a abrangência do fenômeno, que ele julga restrito ao Rio de Janeiro e a São Paulo, faltando explicar, então, porque milhões de nordestinos sentiram necessidade de migrar para o “Sul Maravilha” nessa época de fantasia supostamente marcada por desenvolvimento industrial na área urbana e Reforma Agrária no campo.


A verdade histórica é que o arrocho era intencional, fundamentado em política salarial adotada ainda em julho de 1964, e que dava ao governo o poder de fixar os salários segundo uma fórmula facilmente manipulável. Planejada para o setor público, ela foi estendida, no ano seguinte, ao privado, com a justificativa de que não era possível repassar os custos de vida e, ao mesmo tempo, combater a inflação. Esta abordagem durou, com pequenas modificações, até 1979, e foi um dos eixos de toda a política econômica do período, marcada pela hiper-exploração do trabalho. É também uma das maneiras diretas de explicar o crescimento da desigualdade social e da propriedade, desigualdade esta relativizada por Quintas em sua resposta, embora ele mesmo tenha recorrido a esses índices em textos anteriores.


Se meu interlocutor tem qualquer dúvida quanto ao sentido do arrocho salarial, e se insiste em duvidar dos dados, bastaria levar a sério as palavras daquele que era o “Imperador” da Economia durante o “milagre”. O genial e competente Delfim Netto nunca escondeu suas motivações e seu lado no conflito de classes: defendia Médici das críticas (que ele sofria no início dos anos 1970 em virtude da piora da distribuição de renda flagrada pelo Censo), afirmando que o “bolo tem de crescer para depois dividir”. A necessidade de uma “lei antigreve” se torna óbvia nesse contexto, e ia na direção contrária à expansão contínua da cidadania social e à consolidação de um “regime de garantia do Trabalho”, que eram marcas do Getulismo e, de forma mais ampla, do Trabalhismo.


Os contra-argumentos de Quintas nesse ponto são curiosos: alega ele que o direito de greve não existia no Estado Novo (na verdade, foi legalizado na Constituição de 1946), mas se esquece de que Getúlio e seus sucessores tampouco o removeram, como fizeram os militares, quando retornaram ao poder nos anos 1950 e 1960. Por fim, aponta que a inflação no governo Jango já retirava o poder de consumo da classe trabalhadora. Porém, omite o fato de que, durante o regime civil-militar, a taxa de inflação superou os 100% em 1980 e os 200% três anos depois, e omite ainda o fato de que os Generais entregaram o poder com um processo hiper-inflacionário incapaz de ser sustado por medidas paliativas. Definitivamente, se há um aspecto do regime defendido por Quintas com o qual nada temos a aprender, é justamente o controle da inflação.


Uma vez que o regime não teve qualquer compromisso com a construção de uma Democracia Social, resta analisar o “milagre econômico”. O primeiro plano econômico após o Golpe não foi Desenvolvimentista. O Plano de Ações Econômicas do Governo (PAEG), de Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões, tinha leitura ortodoxa e liberal sobre os problemas do país e propunha medidas de congelamento de salários, combate ao déficit público, contração de crédito e desaceleração do crescimento dos meios de pagamento, além de reformas fiscalistas para aumentar a arrecadação de impostos. O apoio do governo dos EUA à estabilização foi efusivo, acompanhado de missões e acordos com o FMI e garantias aos investidores estrangeiros. A postura desenvolvimentista adotada pelo regime anos depois foi, por sua vez, uma cópia deturpada da associação entre capital estrangeiro, nacional e Estado, um tripé estabelecido por Juscelino Kubistchek. O regime civil-militar não inventou o desenvolvimentismo no Brasil; ele passou a copiá-lo do Trabalhismo. Porém, dada a natureza do regime, o fez de uma maneira muito associada aos interesses da alta burguesia e do imperialismo: os planos econômicos se fundamentaram não só em mecanismos de concentração de renda, mas em volumosos empréstimos estrangeiros que multiplicaram a dívida do país por 30 durante a década de 1970.


A crise do balanço de pagamentos, que a Lei de Remessa de Lucros visava prevenir, foi acentuada pelo choque do Petróleo e teve por resultado o crescimento de 100% da dívida externa já em 1974, além do uso de reservas cambiais. Mesmo o crescimento substancial das exportações foi insuficiente para amortecer o serviço da dívida, em um círculo vicioso em que se alavancava o crescimento a partir de empréstimos em bancos comerciais norte-americanos, bancos estes por sua vez vinculados ao mercado do eurodólar. Tudo isso foi feito mantendo-se os juros internos elevados para assim incentivar o setor privado a se endividar fora do país e para atrair investimentos estrangeiros. A economia caiu 10% entre 1980 e 1983, e o serviço da dívida chegou a 5% do PIB, exportados para mais de 1.100 instituições financeiras estrangeiras. O país assinou sucessivos acordos com o FMI durante a primeira metade dos anos 1980, iniciativa esta que dificilmente pode ser vista como nacionalista. O crescimento do período foi implementado com incompetência e irresponsabilidade - um desenvolvimento dependente que depois seria acentuado pela Nova República.


Assim, do ponto de vista Trabalhista, não há rigorosamente nada a ser aprendido com o regime civil-militar. Mesmo seus aspectos positivos já estavam contidos na política Trabalhista, e foram executados de maneira canhestra no governo dos Generais, cujo verdadeiro sentido foi o alinhamento do Brasil com o Imperialismo e com a guerra de classes promovida pela alta burguesia contra os trabalhadores. Não é surpresa alguma que o regime fosse incapaz de resistir às mudanças de vento na política ianque e docilmente entregasse o poder a uma aliança cuja hegemonia era dos liberais, privatistas e “teóricos da dependência”. O regime não caiu por um golpe ou convulsão interna. Foi entregando os pontos aos poucos quando seus “patrões” avisaram que ele já não interessava mais. Trata-se, efetivamente, de um “nacionalismo” do 1º de abril, data em que o Golpe de 1964 deveria de fato ser comemorado.


É possível elencar iniciativas positivas do regime em todas as áreas, mas suas estruturas e arranjos principais o tornam deletério. Não podemos substituir a falsa mitologia (que está na base da nefasta e exaurida Nova República) por uma nova mitologia (que, por sua vez, está na base do igualmente nefasto e exaurido bolsonarismo, herdeiro direto do saudosismo acrítico do governo dos Generais). Algumas das principais consequências do regime civil-militar são a gestação de esquadrões da morte, o conluio entre forças militares e policiais com o crime organizado e com máfias associadas ao contrabando de armas na fronteira e ao tráfico de drogas. Trata-se de milícias e gangues umbilicalmente ligadas aos porões do regime e que dominam territorialmente os subúrbios em que eu e Quintas crescemos e que vimos serem tragados pela favelização e violência, consequências visíveis do projeto de país alavancado pelos reacionários que derrubaram João Goulart.


Os nacionalistas precisam deixar de lado as fantasias do Petucanismo uspiano, campeões da Nova República em crise; e também deixar de lado as fantasias do bolsonarismo militante, representante da esgotolândia que tem como heróis não Caxias ou Benjamin Constant, mas o infame torturador de mulheres, o Coronel Ustra. Só deixando de lado essas fantasias, poderá nossa visão de Brasil Potência e Gigante deixar de ser mera retórica dos slogans e das marchas (que tanto eram do gosto dos reacionários que depuseram o Trabalhismo) e, enfim, se concretizar, de fato, na vida concreta do nosso amado povo.


Abaixo os filhotes da Ditadura!


PÃO, TERRA, TRADIÇÃO!

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