UM PAÍS SEM ESTADO É OFICINA DO CRIME ORGANIZADO
- André Luiz V.B.T. dos Reis 
- há 16 horas
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Com o número de corpos encontrados nas matas, é possível que o número de óbitos na operação policial do dia 28/10 chegue a quase 150.
Explicando para quem não é do Rio: a cidade tem muita área florestal, e os traficantes constroem refúgios nas matas, locais em que as lideranças se isolam à noite, e que funcionam como esconderijos em momentos de crise.
Ou seja, mais gente foi morta nos confrontos nas matas do que propriamente no Complexo da Penha e vizinhanças. O que indica que a polícia sabia exatamente para onde eles iriam fugir, e se preparou para combatê-los nessa situação.
Muita gente vai ficar chocada, mas em termos operacionais é impossível dizer que a ação foi um fracasso ou improviso. Atacar a maior fortaleza do Comando Vermelho, perdendo quatro policiais, causando cerca de 150 baixas e prendendo 80 da facção, incluindo dezenas que exercem alguma liderança em outros Estados, é um movimento que necessariamente exigiu inteligência e um intensivo mapeamento de possibilidades.

Fingir que a ação não impacta o Comando Vermelho é aquele tipo de análise que só faz sentido mesmo na mídia e em idealistas acadêmicos. Nenhuma organização sai incólume de um impacto como esse.
Coisa diferente é avaliar se o impacto enfraquece ou susta o avanço do Narco-Estado em médio e longo prazo. Evidente que não, e por razões que são bastante conhecidas.
A mais superficial é a concorrência entre as facções. A expansão agressiva do Comando Vermelho a partir da pandemia se deu por causa do fragilização gradual das milícias e pela necessidade de fazer frente ao PCC nas fronteiras. As duas organizações trabalharam juntas por muito tempo, mas a aliança acabou há anos. Quando uma organização dessas se fragiliza, deixa um vácuo que outra aproveita.
A causa maior do fracasso contra o Comando Vermelho e similares, no entanto, está na ilusão de que eventos como ontem são uma questão carioca ou paulistana. Estamos falando de organizações criminosas que controlam tráfico de armas e de drogas na fronteira e sua revenda para a Europa. E cujos negócios se difundem em uma miríade de atividades econômicas de fachada para lavagem de dinheiro em diversos Estados, e que se estendem até ao sacrossanto setor financeiro da Nova República. E que tem uma rede de corrupção que envolve policiais, militares das Forças Armadas, juízes e escritórios de advocacia, funcionários de portos e aeroportos etc.
A sede dessas facções está no Rio e em São Paulo porque são as duas maiores e mais ricas metrópoles do país. Mas seus tentáculos englobam e comandam o crime do Oiapoque ao Chuí.
Enquanto isso, a elite supostamente pensante não consegue imaginar a questão para além do jargão da chacina, da falta de comedimento policial. Todos partidarizam o problema, puxam a brasa pra própria sardinha, e tentam tirar vantagens em cima do adversário eleitoral, como se pessoas armadas com drones capazes de bombardear veículos blindados fossem "vítimas inocentes" da força desmedida do Estado burguês, ou que a simples existência de grupos armados controlando território urbano em plena luz do dia não fosse uma ofensa e um desafio jogado à cara do tão badalado "Estado Democrático de Direito".
O arcabouço jurídico-institucional é anacrônico, inadequado para fazer frente a um crime organizado que tem estratégia nacional articulada com máfias globais, e que se aproveitam de uma economia desregulamentada e dos descalabros sociais.
Não há qualquer solução possível sem entender que não podemos imitar a Europa para resolver esse "problema", porque eles não tem esse problema da forma como se apresenta no nosso canto do planeta. Depois, é entender que a retomada do poder público sobre territórios e âmbitos da sociedade dominados pelo crime só virá com o fortalecimento do próprio Governo Federal e de suas prerrogativas.
Se essa guerra não for assumida a partir de cima, com uma legislação adequada, acompanhada de meios de ação condizentes, e apoio popular e midiático, então só nos resta aguarda a próxima mega-operação sangrenta, que vai gerar algum incômodo na consciência da alta classe média, lacrações, frases indignadas em redes sociais, e aquele sentimento de escândalo algo hipócrita de gente que vive com a cabeça fora do país.
Fracassamos diante dessas facções porque desacreditamos e sabotamos o Estado Nacional por causa de agendas divisivas, fragmentadas, e míopes.




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