A guerra econômica dos EUA contra a China está fadada a sair pela culatra
- Sol da Pátria
- 9 de jun. de 2023
- 4 min de leitura
Por Frente Sol da Pátria. Fonte: http://infobrics.org/post/38494/
Chame de “desacoplamento” ou “eliminação de riscos”: a guerra econômica dos EUA contra a China está fadada a sair pela culatra
Na cúpula do G7 em Hiroshima, muito se falou sobre “de-risking” em relação à China (“eliminar riscos”) – que parece ser a nova terminologia preferida. A declaração conjunta da Cúpula disse: “não estamos nos separando ou nos voltando para dentro. Ao mesmo tempo, reconhecemos que a resiliência econômica requer redução de riscos e diversificação”. No mesmo espírito, o presidente dos EUA, Joe Biden, em 21 de maio, afirmou: “não estamos procurando nos separar da China, estamos procurando reduzir o risco e diversificar nosso relacionamento com ela”. O Departamento de Dstado dos EUA descreve “redução de riscos” (“de-risking”) de forma um pouco mais clara como “o fenômeno que consiste em instituições financeiras encerrando ou restringindo relações comerciais com clientes ou categorias de clientes para evitar, em vez de gerenciar, o risco”.

Os jornalistas Keith Johnson e Robbie Gramer, por sua vez, escrevendo para a Foreign Policy, oferecem a seguinte definição: “o desacoplamento (“decoupling”) refere-se ao desmantelamento deliberado e eventual recriação, em outro lugar, de algumas das extensas cadeias de suprimentos transfronteiriças que definiram a globalização e, especialmente, a relação EUA-China nas últimas décadas”.
“De-risking”, ao que parece, é reduzir o “controle” chinês das cadeias de suprimentos globais sem isolá-la “demais” – seja lá o que for que é considerado “demais”. Deixando de lado a retórica diplomática, deve-se entender isso como parte de um contexto mais amplo de nacionalismo econômico e guerra econômica, enquanto os EUA consideram mudar seu foco para o Pacífico. A recente adesão do Reino Unido à Parceria Transpacífica também faz parte de uma estratégia ocidental anti-chinesa mais profunda, que vem acompanhado por outras iniciativas, como o acordo AUKUS - a aliança militar que foi descrita como a “OTAN asiática”. Aqui, as agendas geopolítica e geoeconômica convergem. Há fraturas dentro do bloco ocidental, no entanto, que se evidenciam mais e mais, conforme a ideia de “autonomia estratégica” ganha força dentro da própria Europa - com destaque para França e Alemanha.
Já escrevi antes sobre como a desindustrialização é cada vez mais vista hoje como uma questão de segurança nacional. Enquanto a China parece ter feito das considerações geoeconômicas o centro de suas abordagens geoestratégicas (extraindo, assim, poder político do poder econômico), os EUA, por sua vez, têm transformado as políticas econômicas e a própria economia mundial em uma arma - e feito o mesmo com o próprio sistema financeiro.
No mundo de hoje, é cada vez mais difícil isolar as indústrias das disputas geopolíticas. Pequim aspira a se tornar uma superpotência tecnológica e o establishment americano simplesmente não aceita isso. Este é o contexto da atual guerra de chips, por exemplo, que tem tanto a ver com geopolítica quanto com competição geoeconômica. O efeito colateral dessa guerra é que ela tem prejudicado os principais aliados dos EUA, como até Taiwan. Ademais, as políticas econômicas de Washington a esse respeito só podem agravar a atual crise da cadeia de suprimentos e complicar o gargalo, prejudicando os próprios EUA. A superpotência americana pode tentar, ao máximo, impor um bloqueio à tecnologia chinesa, porém as cadeias de suprimentos continuam difíceis de serem rastreadas.
Apesar de toda a conversa sobre as maravilhas do mundo “pós-industrial”, a verdade é que a manufatura e a industrialização ainda são a chave para as potências emergentes e as grandes potências do século 21. O chamado “neoliberalismo” está de fato morto, enquanto o protecionismo (supostamente “antiquado”), os subsídios e mandatos de aquisições (procurement mandates), por sua vez, estão em alta. O nacionalismo econômico voltou a ser relevante; em meio à Nova Guerra Fria, isso significa que podemos esperar uma intensificação das guerras industriais e comerciais, como já se pode ver nas guerras de subsídios do governo Biden contra a própria Europa. Tal cenário pode tornar a guerra econômica ainda mais perigosa do que já é, pois potencialmente transforma as coisas em verdadeiros desafios existenciais para as partes interessadas. Embora se fale tanto em “reduzir o risco”, a verdade é que pode ser particularmente arriscado encurralar uma grande potência como a China dessa maneira.
Como o investidor americano Balaji Srinivasan observou recentemente em relação à China, os EUA simplesmente não estão em uma posição de força: o gigante asiático continua sendo o parceiro comercial número 1 para grande parte do mundo. Na verdade, ela tem um lugar maior no comércio global do que os EUA tiveram mesmo no boom pós-Segunda Guerra Mundial - e a estratégia geoeconômica dos EUA simplesmente não parece compreender essa dura realidade, de acordo com Matthew Pipes, consultor administrativo do Krebs Stamos Group e também membro do Bitcoin Policy Institute.
Como escreve o jornalista Gavin Bade, em seu artigo no Politico, Washington parece acreditar que o mundo pode se dividir em “dois grupos comerciais”, um liderado pelos EUA e outro liderado pela China – algo que não aconteceu nem mesmo durante os anos da Guerra Fria. Como escrevi, potências emergentes como o Brasil, Egito, Arábia Saudita, Indonésia e Índia estão mostrando ao mundo que uma nova era de não-alinhamento e multi-alinhamento chegou para ficar - essas nações têm evitado com sucesso a armadilha do “alinhamentismo” da nova guerra fria, enquanto buscam com sucesso seus próprios interesses.
As pressões diplomáticas americanas para o alinhamento estão, portanto, fadadas a sair pela culatra - se forçados a “escolher um lado”, a maioria dos países pode acabar “se desacoplando” dos EUA (e não da China).
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