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A visita de Macron à China mostra que o não-alinhamento pode ter chegado à Europa

Sol da Pátria - traduzido e adaptado de http://infobrics.org/post/38132


O presidente francês Emmanuel Macron, liderando uma grande delegação e acompanhado pela chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chegou à China na semana passada, em 5 de abril, para sua visita de Estado de três dias. No país extremo oriental, ele conversou com seu colega chinês Xi Jinping, o primeiro-ministro Li Qiang, bem como com o chefe do CNP, Zhao Leji. Recentemente escrevi sobre como o alinhamento múltiplo e o não-alinhamento são tendências emergentes no Sul Global. A última viagem do líder francês a Pequim indica que essa tendência pode surgir dentro da própria Europa - mas há desafios.



A França e a China assinaram vários acordos de cooperação no campo da energia, em especial energia eólica e nuclear, de acordo com um comunicado do Palácio do Eliseu. Em 6 de abril, o diretor executivo da Airbus, Guillaume Faury, que fazia parte da delegação de Macron, concordou em construir uma segunda linha de montagem em sua fábrica chinesa. O acordo foi anunciado apesar da intensa pressão americana sobre a Europa para isolar Pequim. Esse é um lembrete de que os mercados da China ainda são fundamentais para as empresas europeias. Apesar de sua retórica “linha-dura”, até mesmo Leyen recentemente descartou qualquer ideia de “desvincular” a economia da Europa do gigante asiático.


O avanço nessas relações comerciais foi acompanhado pelo cortejo com a China e têm potenciais implicações geopolíticas. Como parte de seu conceito de “autonomia estratégica”, Paris tem promovido uma abordagem de não confrontar Pequim para “reduzir o risco” das relações com a China. No entanto, o pensamento estratégico de Macron é muito mais ambicioso do que isso.


No ano passado, pela primeira vez em mais de uma década, Paris assumiu a presidência do Conselho da União Europeia (janeiro a junho de 2022). Este período foi marcado pelo apelo da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen pela criação de uma União Europeia de Defesa. Durante o primeiro semestre de 2022, Leyen também anunciou a “Cimeira da Defesa”, sob a presidência francesa. Na UE pós-Brexit, a França é a única potência nuclear e se orgulha de possuir as forças armadas mais preparadas para o combate. De acordo com Swasti Rao (Associate Fellow no Europe and Eurasia Center), o presidente francês enfatizou repetidamente que a Bússola Estratégica é “a coisa mais próxima que a UE tem de uma doutrina militar e semelhante ao Conceito Estratégico da OTAN” para definir os objetivos da aliança da UE. Ela acrescentou que a criação de um sistema de defesa coletiva europeia é um desejo antigo de Macron.


Esses objetivos enfrentam a dura realidade de uma Europa desindustrializada. Como escrevi antes, embora Washington esteja travando uma guerra de subsídios contra o continente e, na verdade, saia beneficiada do retrocesso industrial e das crises energéticas da Europa, tornou-se uma superpotência excessivamente grande e sobrecarregada. Assim, poderia realmente se beneficiar de uma Europa “OTANizada” e militarizada. Isso permitiria a Washington voltar sua atenção para o Pacífico – essa estratégia, no entanto, poderia sair pela culatra, resultando numa Europa mais forte em busca de autonomia estratégica. Nesse contexto, o cortejo da China com a única potência nuclear da Europa continental faz muito sentido. O problema, do ponto de vista da Europa, é que o conflito ucraniano a tornou ainda mais dependente de Washington, e as políticas econômicas e industriais americanas contra o continente tornam praticamente impossíveis quaisquer planos europeus de rearmamento e reindustrialização por enquanto.


As tensões entre o Ocidente político e a China têm aumentado, no que tem sido descrito como uma Nova Guerra Fria. Isso foi claramente exemplificado pela recente histeria envolvendo o caso do balão. Está acontecendo a chamada “guerra dos chips”, e a guerra econômica liderada pelos EUA contra Pequim realmente coloca em perigo a própria indústria mundial de microchips e aumenta o risco de efeitos borboleta, considerando que a Grande Potência Asiática é uma parte fundamental do mundo globalizado. Washington também tem pressionado por mais sanções contra a China. Esse é o contexto geral e, portanto, não é surpreendente que a recepção de Pequim à abordagem da França tenha sido calorosa.


“Estou muito feliz por compartilharmos muitas opiniões idênticas ou semelhantes sobre questões sino-francesas, sino-UE, internacionais e regionais”, disse Xi Jinping ao líder francês na semana passada. Macron, por sua vez, disse a ele que Paris promove a “autonomia estratégica europeia”, não gosta de “confronto em bloco” e acredita em fazer suas próprias coisas. “A França não escolhe lados”, acrescentou. Essa postura pragmática não-alinhada é obviamente contestada por muitos líderes europeus - e por Washington.


Durante as conversas com Macron, Xi Jinping pontuou que Pequim considera a Europa como “um polo independente em um mundo multipolar”, de acordo com o site do Ministério das Relações Exteriores da China. O líder chinês acrescentou que Pequim “apoia a Europa na obtenção de autonomia estratégica, sustenta que o relacionamento China-Europa não é direcionado, subjugado ou controlado por terceiros e acredita que a Europa adotará uma abordagem independente para desenvolver suas relações com a China." Ele também instou a UE a “se posicionar contra o hegemonismo, o unilateralismo e as tentativas de dissociar economias ou cortar cadeias de suprimentos”.


Alguns observadores ocidentais acusaram Pequim de tentar dividir a aliança transatlântica. Na verdade, a força dessa aliança tem sido abalada por suas próprias contradições há muito tempo. A própria coalizão de apoio à Ucrânia está dividida desde, no mínimo, o final de 2022, em parte por problemas domésticos, bem como desentendimentos americano-europeus, e há conversas sobre um lento e silencioso abandono europeu de Kiev desde pelo menos agosto. O próprio Macron alertou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que as agressivas políticas de subsídios deste último poderiam “fragmentar o Ocidente”. A França também entrou em conflito com a OTAN e os Estados Unidos em várias questões.


Diante de graves problemas internos e protestos contra uma polêmica reforma da previdência, resta saber se o líder francês conseguirá ou não levar adiante algumas de suas ambiciosas metas, que também dependeriam de muita articulação política intra-europeia.

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