“Eu, que tenho propriedade para falar de tamanho, vim aqui falar desse exagero"; "nada artificial"; "gigante que nem eu"; “Espera aí, não tá valendo ainda, não! Porque o negócio é grande e não cabe na minha boca... Isso é vingança! É vingança!"; "Quem disse que tamanho não é documento nunca viu esse exagero". Desprevenido a respeito do conjunto de condições externas à língua, fundamentais para a concepção, recepção e, sobretudo, interpretação de texto, você pensará que se trata de um diálogo chinfrim, repleto de segundas intenções e de frases de "sedução" pronunciadas por algum boçal, algum tosco frequentador de pardieiro. Os mais velhos talvez associem tais manifestações de alto estilismo gramatical a algum filme da "era de ouro" das nossas comédias eróticas.
Uma vez contextualizado, você, desde que não seja aquele tipo de relativista dessensibilizado ou um anti-humano a mais não poder, decerto se indignará com o contexto de tais falas: elas são declaradas em um comercial da rede de lanchonetes Burger King, no qual um ex-ator pornô, o "Kid Bengala", compara tamanho de hambúrguer com o do seu pênis[1]. O público que teve acesso à propaganda tem chamado atenção para a sexualização infeliz desse tipo de alimento, e ainda se diz preocupado com a possibilidade de crianças e adolescentes pesquisarem o nome do ator. Sem cairmos em farisaísmo moralista, destacamos que essa peça publicitária é um dos sintomas (e, por que não, uma das causas?!) de uma sociedade que fomenta a sexualização precoce, problema que desperta a preocupação de amplos setores sociais, desde pais, passando por adeptos de todas as matrizes religiosas, até psicólogos. Para além disso, trata-se de um mau gôsto desproporcional, e que remete a uma imagística de implicações simbólicas graves.
O brasileiro não é mais um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Hoje, o brasileiro vomita na própria imagem, a não ser que essa indignação se traduza em maciço boicote[2] a essa rede de fast-food. Nelson Rodrigues dizia que o "cretino fundamental" se escondia pelos cantos da calçada, daí passou a andar de fronte alta e, em seguida, a subir em caixotes de querosene, arrebanhando milhares de cretinos para ouvi-lo. Hoje, os "cretinos fundamentais" aparecem em propagandas de rede de restaurantes.
Notas do Sol da Pátria:
"Kid Bengala" é o nome artístico de Clóvis Basílio dos Santos, que protagonizou vários filmes pornográficos entre 1988 e 2020. A alcunha, evidentemente, refere-se a uma condição de macrofalismo. Os filmes em que atuou, de conteúdo explícito, envolvem temática de estupro e diversas parafilias.
O comercial, que estava disponível no X (antigo Twitter), neste link, foi removido, tamanha foi a reação negativa, o que reforça a pertinência deste texto, escrito originalmente em 15 de fevereiro de 2024.
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