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César Guerra-Peixe, nacionalista ferrenho: uma entrevista



César Guerra-Peixe, cujos 50 anos de vida artística vêm de ser comemorados em concerto especial na Sala Cecília Meireles, nasceu em Petrópolis em 1914. Pai português, ferrador ("Aprendi a fazer ferradura, sei como se faz, e digo sempre que, quando levo um coice, já estou acostumado"). O pai tocava violão, bandolim, guitarra portuguesa, cítara e sanfona de oito baixos. O filho tocou bandolim aos 6 anos, violino aos 8, piano aos 9, sempre de ouvido. Em 1931 velo para o Rio estudar violino com Paulina D'Ambrósio, a melhor mestra da época. Como violinista, começaria a ganhar a vida na Taberna da Glória, tocando num trio com dois alemães. E nunca abandonou o seu instrumento de trabalho: compositor e arranjador famoso, Guerra Peixe pode ser visto ainda hoje empunhando o violino nas estantes da Orquestra Sinfônica Nacional. Mas se na orquestra é um entre muitos, é quase único na sua "oficina de composição", uma das pouquíssimas do país, e na estética musical que defende — um nacionalismo que não venha só da inspiração ou da intenção, mas do estudo permanente das matrizes folclóricas.


— Ficam uns sujeitos aí na modinha, na valsinha, no dobradinho, no baiãozinho, no chorinho, e não sai disso, e não sai nada disso. Nunca estudaram isso, não viveram a modinha, o baiãozinho. A gente diz: por que você não dá um passeio, não passa um mês aqui ou ali? Já falei pra compositor de São Paulo: olha, você não precisa nem sair de São Paulo, você entra em contato com o Rossini Tavares de Lima, do museu de folclore, que ele sabe em que bairros de São Paulo se ouve jongo, cururu, dança-lenço, folia-de-reis, congada, ouve isso tudo; e amanhã você faz uma viagem ao Nordeste, vai com o gravador, grava bastante coisa, ouve, ouve, tem uma noção da coisa. O sujeito responde: "E, estou com um problema de tempo..." Então, é a tal coisa. Compositor brasileiro vai a Praga, Nova York, Londres, Roma, e não vai a Cascadura. O de São Paulo vai a esses lugares e não vai a um subúrbio de São Paulo.


— Quando é que você enveredou por esse caminho?


— Quando comecei a ler o Mário de Andrade, e comecei a me interessar de fato por música brasileira. O Mário dizia: não existe música internacional. Existe música italiana, francesa, alemã, espanhola. Umas se impõem às outras, conforme a época. Quem quiser fazer música internacional vai cair numa dessas escolas, e será um elemento nulo, pois não vai fazer melhor do que os membros natos dessas escolas. Mas se ele fizer música nacional, ainda que não seja grande compositor, terá pelo menos uma função social no seu país, dará uma contribuição à cultura nacional. Aí eu pensei, que diabo, quem sabe eu posso fazer alguma coisa? Sem maiores pretensões? Graças a isso é que eu me tornei compositor. Desde o começo interessado numa linguagem brasileira, inclusive quando dodecafonista. Coisa completamente impossível, mas era uma tentativa.


— Foi nessa época que você parou com o violino?


— Parei por uns 20 anos. Quando quis voltar a tocar, experimentei em casa, não havia jeito, o braço doía, tive que reaprender. Voltei à Sinfónica, a técnica foi vindo aos poucos, cheguei a tentar recitais, com a Lilian Barretto, fugindo a esse repertório batido. Albinoni, por exemplo, só se conhece o adágio, mas não as sonatas. Leclair, Benda, começava assim, para agradar o público, e depois música contemporânea estrangeira: Webern, Szymanovski, e depois os brasileiros, de preferência contemporâneos, até o Almeida Prado eu toquei. Depois levei um tombo, fiquei dois anos sem poder estudar.


— Quer dizer que essa parte instrumental contou mesmo para você...


— Ah, contou...


— E isso ajuda a composição?


— Ajuda. Só que depois do dodecafonismo, eu fiquei um tempo imbuído de uns conceitos errôneos. Kollreuter dizia: quando uma música agrada, é porque alguma coisa não está no lugar. A música tinha de desagradar A gente também compunha sem pensar no problema dos instrumentos; eu compus, o diabo que toque. Tenho músicas que eu não consigo tocar. Hoje penso diferente. A música pode ser difícil, mas tem de ser viável. E a comunicação foi um negócio que sempre me interessou. Não no mau sentido, é claro.


— Nessa sua longa vida de compositor, você conseguiria separar etapas?


— Bom, meu primeiro contato foi a música popular urbana. Assim como o Villa não precisou estudar música popular urbana — estava metido nela — eu também estava.


— E nesse ponto o Rio de Janeiro tem uma tradição musical riquíssima, não é?


— É, só que tem que com uma diferença -- ele pegou uma fase melhor que a minha. Mas fui aprendendo. Fiz muito choro. Música de salão. Estudei composição no Conservatório Brasileiro de Música com Newton Pádua, que foi meu grande mestre. Minha grande base foi esta, e meu ensino tem muito de Newton Pádua, se bem que tenha minha parte, também. Ele me pegou para cobaia, experimentou várias coisas em mim, simplificando o estudo de harmonia e de contraponto. E eu ainda simplifico muito mais, aquelas regras complicadas. Estamos em outra época, não é? Eu estudava muito. Trabalhava para edições e gravações dois ou três dias por semana, o resto era estudar, ir a concertos, inclusive a ópera. Mal terminou — 43, 44 — procurei Kollreuter. Não procurei antes para não magoar o Newton. Kollreuter reconheceu que eu já tinha um bom preparo técnico, e estudei dois anos com ele, uma aula por semana. Muitas novidades. Coisas muito importantes, mas que os livros não ensinam, não é? Como preparar um ponto culminante, ou seqüências como a que se chama relação de segundas, que torna a melodia muito mais clara, muito mais compreensível — pouca gente sabe dessas coisas, não é? Pois não existe um método para isso... eu dou aos meus alunos um negócio já mastigado, eles fazem exercícios... isso e harmonia acústica, que também pouca gente sabe, eu também já criei um sistema de ensino. É muito simples e tem um efeito extraordinário. Em geral o aluno quando começa a fazer aquilo se encanta, não quer fazer outra coisa. O Kollreuter gostava muito de discussões. Ficou muito satisfeito quando eu comecei a discordar dele. Ele tinha tendência para levar todo mundo para o dodecafonismo. Não é dizer que ele aconselhasse, não; mas preparava as informações de uma maneira que levava a isso. Agora, diga-se a verdade: meus primeiros trabalhos dodecafônicos não revelam intenção nacionalizante, digamos assim, porque o meu objetivo inicial era dominar a técnica; mas uma vez que consegui isso, já no segundo movimento, lento, de um trio de cordas, introduzi um tema, uma melodia torturada, que já tem um caráter modinheiro. O Kollreuter percebeu isso e disse: é engraçado esse Guerra, cada obra dele é uma coisa diferente. E disse: lá na Europa, não tem ninguém fazendo isso que você faz. E gostou. Ele não era antinacionalista. Então eu, Eunice Katunda, o Edino Krieger, tentamos essa conciliação, que nós achávamos possível, entre o dodecafonismo e o sentimento nacional. Depois que você conhece o Folclore, que é a música do povo, você muda de idéia. Não vamos copiar folclore, naturalmente, a solução não é essa; mas a diferença é grande.


— Você não acha que o dodecafonismo fosse uma espécie de língua geral que se pudesse usar...


— Não. O dodecafonismo como uma espécie de esperanto, não é? Só que o esperanto procura a comunicação; o dodecafonismo não. A técnica dos 12 sons tem virtudes muito sugestivas, a gente se deixa levar depois que a pessoa aprende a manejar, é fácil de compor.


Uma vez — eu já estava compondo — eu disse ao Kollreuter: Kollreuter, a impressão que eu tenho é que qualquer pessoa, aprendendo a técnica dos 12 sons, fica compositor. Ele naturalmente negou, ah, não, você está enganado, Guerra. Mas olhe, uma vez, por motivos marginais à nossa história, o Kollreuter dava aulas de composição a uma moça que não dispunha de verdadeiro talento. Era de uma família muito católica, compunha músicas religiosas etc. Tão ruins, que, um dia, o copista que trabalhava para a gente, e que era um sujeito talentoso — Sacha Mitkof —, disse que não copiava aquilo. Depois, ela quis estudar a técnica dos 12 sons. O Kollreuter gostou da idéia. Quando eu estava chegando ao Recife, soube que ela tinha sido premiada numa tribuna internacional de compositores. Por essas e outras é que eu não confio muito no julgamento dos europeus:


— ...?


— Eles já acertaram em muitas coisas, é óbvio, mas também já erraram muito a respeito deles mesmos. Veja lá: na Renascença, a música tomou aquele caminho, que é equivalente a esse exagero que está acontecendo hoje. O povo já não queria ouvir música; Rieman, na sua história da música, cita um fulano que compunha música para 94 vozes. E era uma em latim, outra na língua popular, outra na língua erudita, você vê que confusão. Sem falar nos cânones: inventaram aqueles cânones enigmáticos, que eram segredos profissionais, pra ninguém saber, quebra-cabeças, coisas gratuitas... Então, a música esteve para ser abolida das igrejas. E isso tudo teve a aprovação de quem? Das pessoas que faziam a coisa. O povo é que se afastou, e Papa observou isso. O Papa estava para abolir, quando chegou alguém e disse olha, tem um cara aí, uns acham que é quadrado, mas que talvez dê jeito, um tal de Palestrina. O homem até que era pra ser recusado pela Igreja, tinha algum problema pessoal, separado da mulher etc., mas a Igreja, quando ouviu a música dele, simples, comunicativa, desprovida de artifícios, oficializou o negócio. Eu sou, naturalmente, contrário a imposições; mas assim como houve necessidade de os portugueses imporem a sua língua, no Brasil, não aquela língua geral que se falava, não o guarani, porque graças a isso nós temos melhor contato com toda a cultura ocidental, e a unidade do país também veio em razão disso, também Palestrina foi o resultado de uma imposição necessária: música oficial da Igreja só pode ser assim, e está acabado. Há imposições tácitas, por aí, como nos concursos de composição: se você mandar uma música no estilo de Palestrina, vão dizer: ah, isso já foi feito; mas se você mandar uma coisa inteiramente estrambótica, também não aceitam.


Com Palestrina foi assim. A música simplificou-se, depois teve um desenvolvimento num outro sentido. Veio o período barroco, que também foi caminhando para a complicação. Na música não tanto, foi um negócio sério, mas também sofreu a influência das outras artes. Sabe o que significa barroco?


— Bem, há várias acepções...


— É, mas o termo vem da palavra portuguesa que significa "pérola falsa". Comerciantes e trovadores franceses estiveram na península ibérica e levaram a palavra, que muita gente pensa que é francesa. Mas é portuguesa, e serviu para denominar aquela arte artificiosa, que depois se transformaria no rococó. A música barroca não foi artificiosa, mas também sofreu as conseqüências.


— Quando Haydn entra, entra para simplificar, não é?


— Pois é, desde os filhos de Bach já se compunha de outra maneira. Eu tenho a minha história da música, como você está vendo. No Romantismo também houve aqueles exageros todos. Berlioz escreveu uma obra onde usava 16 tímpanos. Mahler escreveu a Sinfonia dos Mil. E o dodecafonismo também é, à sua maneira, um jogo de notas, um ludo. Não choca necessariamente por ser agressivo, dissonante, não. Choca, quando a música passa a ser uma outra coisa. Dizia-se que Schoenberg era o maior revolucionário da história da música; pois o dodecafonismo não aguentou nem meio século. E hoje está completamente superado. Quem ainda usa a série de 12 sons usa de maneira completamente livre, só um pretexto para composição, como faz às vezes Krieger, ou Nobre. O próprio Schoenberg já o tinha abandonado um ano antes de morrer. Stravinsky, que sempre combateu o dodecafonismo, adotou-o assim que Schoenberg morreu. Mas não produziu uma obra de importância nessa linha. Então começou-se a usar outras técnicas, como a música concreta, da qual derivou a poesia concreta — acho que foi a primeira vez que a música não andou a reboque de outras artes.


— Que é que você acha disso?


— Acho que os ruídos são válidos quando aproveitados com arte; mas é pouca gente que sabe disso, acabam fazendo o ruído pelo ruído. Como o dodecafonismo, onde se usava a técnica pela técnica. Depois a música eletrônica, ou eletroacústica, combinada ou não com instrumentos... Tudo muito bem; mas acho que é muito bom ter uma gravação, um tape, quando não se pode fazer a música ao vivo, porque esta tem um outro calor. De modo que não acredito que a música composta em fita magnética vá longe. Já não está indo, muita gente já está deixando. Está havendo uma volta, uns dizem que à melodia. Eu não acho que tenha de ser necessariamente à melodia: pode-se perfeitamente fazer uma música só para percussão; mas não como alguns aqui que fazem uma música toda desconexada; seria preciso haver uma unidade rítmica. Eu poderia fazer aquilo com toda a facilidade porque conheço o ritmo de xangó: em seis horas de xangó eu registrei mais de 500 variações. Mas a gente pode resumir aqueles toques todos a 22.


— Xangô é candomblé?


— É candomblé do Recife. Então eu poderia, se quisesse, trabalhar só com percussão, dando uma unidade, não é só bater por bater, fazer um efeito rítmico sem mais nem menos.


Um dia eu verifiquei que, à medida que nacionalizava a minha criação, ia abandonando o dodecafonismo. Conclusão lógica: se eu quero fazer música nacional, tenho de abandonar o dodecafonismo. Foi o que aconteceu.


— Você acha que é preciso fazer música nacional, colocada assim, ou apenas música? Em outras palavras, você é uma pessoa que teve essa experiência musical toda, você está dentro do meio musical brasileiro, dentro da cultura brasileira; nessas circunstâncias, você não fará sempre música nacional, faça você o que fizer? Você acha que é preciso pensar em fazer música nacional?


— Não, é o seguinte: o nacionalismo — isso é importante frisar — não é o único caminho para se atingir o nacional. É preciso fazer uma diferença entre o nacionalismo e o nacional. Por exemplo, nas pesquisas que eu fiz de música de salão do Nordeste, descobri um grande compositor de música de salão, Misael Domingues, que a Sônia Vieira já gravou, deverá ser lançado em disco brevemente, polcas, schottisch, quadrilhas, valsas etc., a meu ver muito mais que Nazaré, não só pela qualidade da inspiração, da criação, como pela técnica que usou, mesmo nas músicas mais simples, cada música é um negócio diferente, não tem clichês. como Nazaré tem.


— É preciso revelar esse sujeito...


— E era também música para dançar, tinha o nome do filho, da filha, era música nacional, embora ele não pensasse nisso. Ele não tinha, musicalmente, uma posição nacional, nacionalista, e fazia música nacional. Outra gente daquela época tinha posição nacional, falava nos índios, nos nossos heróis, mas a música era italiana, era francesa etc. Então, eu acho que para fazer música nacional o folclorismo não é o único caminho; porque à medida que se estabelece um modo de sentir nacional mais firme — estamos em país novo, sujeito a muitas influências — naturalmente isso vai refletir-se na música; mas vai levar muitos anos; e depois, usando aquela idéia do Mário, no plano internacional, se o sujeito cai numa daquelas escolas, vai ser mais um. Acho a preocupação da música nacional necessária; para que aquilo que se poderia fazer em 20 anos se chegue a fazer talvez em 50. Unicamente por isso. É preciso, além de estudar composição — e hoje em dia é muito comum o compositor não ter estudado — naturalmente é imprescindível que a pessoa esteja a par das correntes que existem em todo o mundo seja lá quais forem, não interessa — e os que não têm a preocupação da música nacional estão certos no caminho deles — mas se o compositor quer fazer música nacional, dizer que está fazendo música nacional, então ele tem que estudar folclore, que é o único caminho certo; assim como o sujeito estudou dodecafonismo, música eletrônica etc., tem de estudar folclore. É como eles fazem na União Soviética, onde o aluno de composição, depois de estudar a parte teórica, escolhe uma província e tem um ano para morar lá, assistindo manifestações folclóricas feitas pelo povo, não uma coisa estilizada. Tem de apresentar um trabalho de sua pesquisa, e uma composição com base naquilo com que teve contato.


A pessoa deve estudar folclore para saber utilizá-lo. Foi a razão pela qual por muitos anos escrevi suítes. Pegava um aspecto rítmico, melódico e harmônico, também, porque existe uma harmonia subentendida, e muitas vezes não é nem subentendida, e usava para formar um métier neste sentido, que vai servir amanhã de base para a experiência de uma outra pessoa. Com o tempo, fica-se com isso no subconsciente, a munheca funciona com mais naturalidade, então pode-se dar ao luxo de escrever mais à vontade, estilizar. E virá uma época em que o sujeito não precisará pensar nisso. É por isso que eu digo: é preciso estudar o folclore para superar o próprio folclore. Senão fica no ramerrão de muita gente que faz música nacional e faz vergonha, e o povo mete a lenha no nacionalismo. Chegam a dizer que o folclore brasileiro está esgotado, quando não está nem conhecido. Você veja o Webern. Webern era um sujeito profundamente da cultura alemã — não tem a ver com ser austríaco ou alemão, é aquela cultura alemã, ali é como Pernambuco e Paraíba. Agora, nele, a coisa chegou àquela evolução, não é? Pergunto eu: por que será que Beethoven escreveu tantas danças — danças que às vezes chamava de escocesas, mas eram alemãs, como a gente pode chamar uma peça brasileira de tango sem ser um tango argentino. A gente encontra naquelas danças simples o mesmo tipo de melodia, de ritmo, de harmonia que há nas sinfonias, nos quartetos, nas sonatas. Apenas, não são tão trabalhadas. Mas os elementos são os mesmos. E Mozart também fez isso, inclusive com comédias musicadas, e uma série de coisas. Foi a quase 300 peças neste sentido. Pergunto eu: não seria isso com o propósito de manter o métier? No sentido nacionalizante?


— Você acha que a experiência de um compositor pode adiantar ao outro? Nos termos, por exemplo, dos brasileiros de hoje? Ou você acha que cada compositor segue o seu caminho?


— Nem todos seguem os seus caminhos, têm uns que seguem uns aos outros, também, têm grupinhos, não é? O que eu lamento é a perda de tempo. Não aceito essa história de dizer que o nacionalismo está superado. Se nós vamos ver através da História da Música, na China já havia uma música de corte, que não era música folclórica, esta é uma palavra moderna, mas música de corte perfeitamente nacional, conscientemente nacional. Os gregos tinham a palavra ethos para significar não só o sentido otimista da música como o sentido nacional também. Em contraposição ao pathos, que era a decadência... Agora, hoje chegamos ao ponto em que na Ásia, na África, uma porção de países fazem a sua independência; então vão dizer que o nacionalismo acabou? Então o nacionalismo acaba só na música, nas artes? Não, é um movimento geral, político, econômico, cultural. Você vê quanta coisa está vindo da África: poesia, pintura, balé popular. A gente pega os programas na Europa e vê que essa coisa modernosa, que uma aluna minha chamou de "cafonalha modernosa", são grupos daqui, dali, que se interligam, um trabalha a música do outro, mas quando isso entra em programa, é em festival de música de vanguarda... nos programas, mesmo, não entra. Pode haver música avançada, mas num sentido mais normal de música. Eu não quero dizer com isso que não se escrevam coisas avançadas, não quero dizer que devamos nos limitar ao tradicionalismo absoluto, não. Mas é a tal coisa: o grande poeta pode escrever a poesia mais avançada, pode ter as maiores concepções, usando a mesma linguagem que eu estou usando aqui. Uma vez a Lais de Souza Brasil me perguntou: "Ô, Guerra, como é que você se sente, no meio desses vanguardismos todos?" E eu disse: bem, me sinto bem; se é para variar um pouco, para sacudir a rotina, inclusive do nacionalismo, tudo bem. Depois as coisas voltam aos eixos. Já estão voltando.


(21-01-1980)


Texto publicado originalmente no livro Caderno de Música: cenas da vida musical, de Luiz Paulo Horta

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