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Foto do escritorAmaury Leite

Em memória de Rubens Vieira Marques, o Vieira, de Vieira & Vieirinha

Esta data que, em São Paulo se celebrou ontem, traz à baila as memórias de um conflito civil e, frequentemente, manifestações de ódio contra o maior estadista da história do país, com a costumeira acusação de uma supressão das tradições regionais (em prol de ignóbil uniformização da cultura nacional). O interessante é que o 9 de julho é também aniversário de falecimento de Rubens Vieira Marques, o Vieira, de Vieira & Vieirinha, amplamente tidos - e com justiça - por maiores estandartes da cultura caipira no cenário musical brasileiro depois de Tonico & Tinoco. Interessante porque a sorte dessa dupla de irmãos, nascida em Itajobi e filha de imigrante, esteve imprescindivelmente entrelaçada à de Getúlio Vargas.



Rubens, nascido em 1926, e Rubião - o Vieirinha -, nascido em 1928, eram apenas crianças quando estourou a Revolução Constitucionalista. Rebentos dum sangue inseparável da música (eram primos primeiros de Liu & Léu e Zico & Zeca, aos quais dedicaram a música Seis Primos), desde cedo habituaram-se a cantar em encontros da família e festas pela cidade. Atendendo por Irmãos Vieira e fazendo aparições em modestos programas regionais, em meados de 1949, já com vinte e tantos anos, receberam em seu sítio os irmãos João e José Pérez (já com larga fama sob o epíteto de Tonico & Tinoco), conquistaram a sua simpatia e foram convidados a acompanhá-los em suas apresentações naquelas imediações. Por conselho dos mesmos, passaram a se apresentar por Vieira & Vieirinha. Ainda acanhados, à feição do caipira que Cornélio Pires bem descrevia como tímido e desconfiado ao adentrar o terreno desconhecido das cidades, protagonizaram uma cena cômica numa dessas cantorias, ao darem as costas ao público enquanto se apresentavam.


Essa dupla tão autêntica e singela, inseparável, onde quer que estivessem, dos costumes do seu chão, passaria por uma experiência fulcral em sua carreira no futuro imediato. Em 1950, ano de eleição, topariam o caminho do filho de São Borja, o acompanhando em inúmeros comícios pelo interior paulista. Como forma de agradecimento, ao fim da eleição, Getúlio prometeu acolher qualquer pedido. Os irmãos decidiram-se então a levar sua carreira a um novo patamar. Escreveram a Vargas pedindo-lhe uma carta de recomendação para ingressarem na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a maior difusora do país naquele momento, no que foram prontamente atendidos pelo estadista. Demovidos, no entanto, pela distância a que se veriam sujeitos de seus pais, fizeram-lhe outra solicitação, desta vez para a Rádio Nacional de São Paulo. Novamente amparados pelo gaúcho, rumaram à capital paulista, onde foram recebidos por Tonico & Tinoco. Bateram, então, à porta da emissora por três vezes e foram recusados, no que indagou-lhes Tonico se haviam apresentado a carta que portavam consigo. Novamente vítimas de sua timidez, disseram que não o haviam feito. Voltaram lá e, com a carta em punho, foram contratados. Daí em diante, foram vinte e cinco anos de colaboração, interrompidos por uma breve passagem pela Rádio Tupi entre 1955 e 1958. Com o amplo sucesso de seus programas, gravaram seu primeiro disco em 1953 e, depois deste, mais outros trinta, com inúmeros sucessos, dentre os quais destacam-se as canções Garça Branca, Marreta, Peão de Boiadeiro, A moça que dançou com o Diabo etc.


Muito bem aceitos pelo público saudoso do sertão e dos costumes que tão bem representavam, na riqueza de sua genuinidade, com letras marcadas pela grafia ao popular, pelas velhas lições contidas, profundamente vinculadas à cultura que defendiam despretensiosamente e sem as amarras da indústria musical, com a viola no peito e suas vozes contristadas, se tornaram, ao longo das décadas, uma das duplas mais afamadas do meio caipira, batizados 'Reis da Catira', dança tradicional da Paulistânia que sempre exaltaram e reproduziram em suas aparições públicas. Deixando às futuras gerações um vasto legado de preservação da riqueza dos folguedos de seu povo, a dupla se desfez em 1991, quando o irmão mais novo, Rubião, faleceu aos 63 anos de idade. Vieira largaria os palcos por cinco anos, até formar dupla com seu filho, Ailton Estuliano Vieira, o Vieira Jr., com quem se apresentaria até o ano de 2001, quando veio a falecer, no dia 09 de julho, deixando-nos uma imensa saudade de seu rosto cansado, sua candura e da felicidade que transbordava de si quando tinha a oportunidade de levar às multidões o farto tesouro do viver caipira, espelho perfeito de sua gente.


Prestada a mais que forçosa homenagem a este grande vulto de nossa música, resta, por fim, àqueles que assacam Vargas de atacar a rica diversidade do nosso país, explicar como podem os símbolos da tradição mais abrangente do país terem encontrado neste 'perverso tirano' a mão que abriu-lhes as portas para que pudessem travar esta batalha de toda uma vida contra o apagamento do grito que sinaliza, para a eternidade, a existência dum povo que nasceu em Santo André da Borda do Campo, foi batizado na São Paulo de Piratininga e cujo rastro confunde-se com a história econômica, geográfica e cultural do país.

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