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EUA de olho na Ásia Central — eles conseguem se engajar ali?

Tentativas americanas de mediação em Nagorno-Karabakh mostram uma nação americana já sobrecarregada tentando projetar poder tanto no Pacífico quanto na Eurásia



Na semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que as negociações organizadas pelos EUA entre os ministros das Relações Exteriores do Azerbaijão e da Armênia estão chegando perto de um acordo sobre o conflito em andamento em Nagorno-Karabakh. De acordo com James M. Dorsey, membro sênior da S. Rajaratnam School of International Studies, isso, entre outras coisas, mostra como Washington está prestando cada vez mais atenção à Ásia Central e considerando inclusive ter um maior papel naquela região na questão da segurança.


Desde 2020, quase 2.000 soldados da missão de paz russa foram enviados para a área de fronteira armênio-azerbaijana para fazer cumprir um acordo de cessar-fogo e para garantir uma zona de trânsito segura. No entanto, o tumulto no chamado corredor de Lachin, que se desenrola desde dezembro, abriu uma janela de oportunidade para Washington aumentar sua influência ali, oferecendo mediação – isso tem implicações que vão além do sul do Cáucaso, atingindo, na verdade, toda a Ásia Central.


Dorsey questiona, no entanto, se os EUA, que “já renovaram seus compromissos com a segurança no Oriente Médio, teriam mesmo a vontade política e os meios para se engajarem” ali (na Ásia Central). O especialista, no entanto, argumenta, do ponto de vista americano, que, embora os Estados Unidos estejam concentrando sua atenção na região do Indo-Pacífico e tenham mostrado menos interesse no Oriente Médio, ainda assim, segundo ele, “não há como existir uma estratégia para o Indo-Pacífico que seja coesa sem incluir o Mar Arábico, a foz ocidental do Indo-Pacífico”. O mesmo argumento, ele raciocina, “poderia ser feito em relação à Ásia Central”, que seria uma “potencial contraparte terrestre do Indo-Pacífico marítimo no ponto fraco da Rússia e no flanco ocidental da China”.


De qualquer forma, o Secretário de Estado Blinken afirmou ainda, durante sua visita a Tashkent (Uzbequistão), que os EUA “continuam empenhados em defender a soberania, a integridade territorial e a independência não apenas da Ucrânia, mas também dos países da Ásia Central”. Para além da clara hipocrisia aí, esses novos desenvolvimentos são bastante significativos, geopoliticamente falando.


O geógrafo inglês Halford John Mackinder escreveu que, quem quer que controlasse o “coração” da Eurásia, incluindo a Ásia Central, “obteria o controle do mundo”. Seja como for, essa região estratégica volta cada vez mais aos holofotes. A Índia, por exemplo, instou o grupo QUAD a se envolver mais lá. Quaisquer aspirações americanas nessa área, no entanto, devem ser vistas como parte do desafio maior que Washington atualmente enfrenta.


A política externa dos Estados Unidos, em sua busca pelo “século americano” e pela perpetuação da unipolaridade, muitas vezes se assemelha ao balanço de um pêndulo. No longo prazo, muitas vezes oscila, para lá e para cá, entre "contrabalançar" a Rússia ou a China - e, às vezes, tenta fazer as duas coisas ao mesmo tempo - como parece ser o caso da atual presidência dos EUA e sua ambiciosa abordagem de contenção dupla. “Combater” e “cercar” uma Grande Potência a ponto de fazê-la encarar tais ações como uma ameaça existencial é bastante arriscado, mas Washington parece empenhado em fazê-lo com duas delas simultaneamente - como temos visto com a estratégia dos Estados Unidos para com a Ucrânia, com Taiwan, AUKUS e uma série de outras iniciativas perigosas.


Imbuída de uma mentalidade de guerra fria, a superpotência americana não entende nem aceita as abordagens não-alinhadas e multi-alinhadas emergentes - e nem a ideia de autonomia estratégica, aliás. Na verdade, os EUA parecem preferir até um novo cenário de bipolaridade, como uma espécie de plano B, ao invés de aceitarem o advento de qualquer nova ordem mundial policêntrica. Nesse espírito, os EUA pressionam aliados e parceiros a “escolherem” entre Washington ou Pequim - ou ainda entre Washington ou Moscou – e, assim, os EUA aumentam tensões e minam a confiança. Em outras palavras, a diplomacia agressiva americana geralmente sai pela culatra, alienando cada vez mais seus parceiros em potencial, seja na Ásia ou no Sul Global em geral ou alhures - até mesmo na Europa.


Considerando o longo processo de “fadiga ucraniana” que se arrasta há um bom tempo e o fracasso das sanções anti-russas, escrevi sobre como os EUA, sobrecarregados, poderiam investir na entrada da Suécia e da Finlândia na OTAN para então poderem se voltar para o Pacífico - a Finlândia já formalizou sua adesão à aliança atlântica, enquanto a Suécia vem sendo “teimosamente” bloqueada pela Turquia (que tem poder de veto na OTAN). Nesse cenário, o “fardo” americano de “dissuasão e combate convencional” na Eurásia ficaria com um bloco europeu militarizado e “NATOizado” – e, assim, um pouco menos sobrecarregado, os Estados Unidos poderiam se concentrar no Pacífico. Muito provavelmente, Washington, no mínimo, tem considerado essa possibilidade. Nesse cenário, o conceito de “Século do Pacífico” de Hillary Clinton pode voltar.


O problema é que, depois de investirem e se comprometerem com uma abordagem complexa de contenção dupla, os EUA acabaram por se envolver em uma série de impasses e sair deles não é tão simples. Por um lado, a Turquia pode muito bem continuar a bloquear a adesão da Suécia à OTAN devido às suas divergências com Washington no Oriente Média, isto é, devido à questão curda - em outras palavras, é praticamente impossível conciliar os objectivos americanos no Oriente Médio e na Europa, pelo menos enquanto o presidente turco Recep Tayyip Erdogan permanecer no poder. Outra contradição reside na dependência que a Europa desindustrializada tem em relação aos EUA em questões de segurança, situação essa em larga medida perpetuada pela própria nação americana, como escrevi alhures.


Portanto, todo o cenário de “pivô para o Pacífico” acima até, agora parece ser mais um “plano B” – pelo menos por enquanto. O atual governo dos EUA simplesmente não abre mão da política de contenção dupla. Quer o “Heartland” eurasiano (como Mackinder o chamava), incluindo a Ásia Central, e quer também o Pacífico. Em outras palavras, a superpotência atlântica busca ser tanto uma potência continental quanto uma potência marítima, como escreve Jerry Hendrix, capitão aposentado da Marinha e ex-conselheiro do Pentágono.


O pêndulo pode balançar novamente, mas a tensão permanece. Resumindo, o grande dilema existencial americano é tanto sobre ser (ou não ser) a única superpotência mundial quanto sobre ser (ou não ser) uma potência marítima. Parece querer tudo. O excepcionalismo americano, afinal, está profundamente enraizado no pensamento político das elites daquele país. É difícil estimar, no entanto, por quanto tempo seria viável buscar uma meta ou missão tão audaciosa. Além disso, resta saber como as próximas eleições presidenciais de 2024 podem impactar tudo isso - sem falar das próximas eleições turcas de 14 de maio.


Por Sol da Pátria. Traduzido e adaptado de https://infobrics.org/post/38370

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