Flávio Dino, Ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF), ordenou a censura e destruição de livros por suposta homofobia, ato que o STF enquadrou como crime de racismo, e portanto incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, já que o racismo é crime imprescritível e que exige reclusão segundo o artigo 5º da Constituição Federal, que muitos defendem ser cláusula pétrea.
Os títulos dos livros são os seguintes:
"Curso Avançado de Biodireito"
"Teoria e Prática do Direito Penal"
"Curso Avançado de Direito do Consumidor"
"Manual de Prática Trabalhista"
Ora, a interpretação do quê exatamente é homofobia é suscetível de reformulação e ampliação contínua segundo os juízos dos movimentos progressistas. Daí a importância crucial da decisão de Dino, que indica que a liberdade de expressão para discordar da homofobia depende das definições da abrangência deste crime.
A consequência mais direta é a retirada de livros de circulação, o que não é nada incomum no mundo contemporâneo, bastando lembrar dos mecanismos de controle de livros e de mídia no Irã e na China.
Ora, a censura de livros não foi inventada pelo socialismo ou por regimes contemporâneos. Basta recordar o Index Librorum Prohibitorum, instrumento de censura adotado pela Igreja Católica Romana em meados do século XVI para evitar a difusão de livros protestantes. A Igreja Católica abandonou o Index nos anos 1960, quando a reedição do documento já proibia cerca de quatro mil obras. A censura não era especificidade católica-romana, já que reações à invenção da imprensa similares ocorreram em países cristãos ortodoxos (a região da chama "Igreja do Oriente"). Por exemplo, A censura comia solta no czarismo russo dos séculos XVI e XVII, e estava permeada também de motivações religiosas.
De modo que a prática de censura e de restrição da liberdade de expressão e difusão de ideias é muito antiga - o que distingue esta ou aquela ação específica é o critério de censura. Como o discurso da esquerda tem forte influência nas principais instituições do país, sofremos todos com o perigo de uma prática de censura ilegítima. Se tivesse força o suficiente, a esquerda já teria proibido obras clássicas do cânone ocidental, com a desculpa fajuta de que X ou Y eram racistas, ou machistas, ou alguma outra denúncia moralista retirada de sua própria tábua de Dez [ou Dez Mil] Mandamentos.
Seria possível dar inúmeros exemplos da para indicar que a esquerda política nunca tergiversou na hora da censura. Ela sempre exerceu essa prerrogativa quando julgou necessário, sem qualquer drama de consciência, e sempre em nome de seus próprios horizontes de ''bem comum". De modo que, neste sentido mais geral, não há qualquer ruptura entre o progressismo e os Estados pré-modernos ou orientados por sistemas de ideias pré-modernas.
O episódio é uma oportunidade para que guardemos no coração o princípio defendido por Dino de que ''a liberdade de expressão não é absoluta", ao mesmo tempo em que buscamos perceber qual o critério usado pelo discurso dominante para restringi-la. Concordo com o Ministro que a liberdade não é um princípio absoluto, e pode ser delimitada pela força do Estado. Não concordo é com os fundamentos antipopulares mobilizados pelo STF, uma suposta casta de iluminados que é uma das novas versões possíveis da vanguarda revolucionária esquerdista, para decidir estas questões. Um regime nacionalista e popular deveria estabelecer critérios de censura mais condizentes com a nossa cultura política e com a noção de bem comum de nosso povo.
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