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Julius Evola e a falsa aristocracia do espírito

Julius Evola teria completado 125 anos no dia 19 de maio. O autor italiano se tornou um espantalho para todos os que desejam associar o Tradicionalismo [uma "escola" de estudo e exposição sobre esoterismo, metafísica e simbologia que remonta a René Guénon] à ascensão do que caracterizam, de forma algo imprópria, de neofascismo. Infelizmente, alguns ditos "evolianos" contribuem sobremaneira para este espantalho ao vestir a carapuça como poucos.


O italiano é considerado como um escritor "aristocrático" por razões que mergulham em algumas divergências com outros autores Tradicionalistas sobre as varnas [Nota da Sol da Pátria: "varnas" seriam, no contexto hindu, posições dentro do sistema de castas, de acordo com vocações]. Estas discordâncias repercutem em um amplo conjunto de temas, desde considerações sobre caminhos espirituais, antropologia, psicologia, relações entre distintas esferas de iniciação, interpretação de símbolos, História etc. "Evolianos" tendem, no entanto, a reduzir estas questões a uma mera caricatura.


E poucas foram tão deturpadas quanto a ideia de "aristocracia de espírito". Evola tenta ''traduzir'' uma noção de Nobreza que pode ser encontrada tanto em Platão quanto no Vedanta, e que remonta a uma perspectiva holista comum a todas as sociedades tradicionais. Explorei esta questão em um dos capítulos do livro "A Rainha do Meio Dia", lançado pela Frente Sol da Pátria, e não vou me ater neste texto à complexa questão do Holismo vs Individualismo.


A Nobreza implica não no exercício de uma função de poder ou de exceção, mas, dentre outras coisas, em certa disposição bastante ativa para sacrificar os desejos pessoais em prol de algo maior e mais universal: princípios, comunidade etc. É uma pessoa de intenso dinamismo cotidiano voltado para noções de justiça e abnegação. É por isso que tende a ser envolver com atividades de proteção da coletividade, de manutenção da ordem social, de administração governamental, de movimento político, de movimentos filantrópicos. É o altruísmo que o leva a estes campos de atuação, não o interesse próprio ou de seu grupo particular. Agir motivado apenas por desejo próprio ou pra defender desejos materiais de seu grupo particular é tendência 'vaysha' [Nota da Sol da Pátria: "vaysha" seria a casta relacionada ao comércio], não 'ksatryia' [Nota da Sol da Pátria: "ksatryia" ou "xátria" seria a casta "nobre"]. Este senso de sacrifício é a expressão da liberdade interior de quem cultiva a nobreza: liberdade dos grilhões das próprias paixões. É o autodomínio conquistado por quem afirmou sua personalidade ou 'eu' em um âmbito superior de existência.


Parte dos que se dizem seguidores de Evola e do Tradicionalismo compreenderam mal estes conceitos e o reduziram, de modo até ''ginasial'', à ideia de que os nobres são "guerreiros", entendidos aqui em um sentido militarista patético. Fazem apologia da mentalidade de gangue e de bando [o máximo de guerra que conseguem vivenciar, achando que as tribos urbanas são reconstruções de uma ordem tradicional perdida], da força física, da agressividade, traços que distinguiria o "nobre" dos ''inferiores", "escravos", "servos". Daí a se afundar em uma Academia para praticar musculação, MMA, e se encher de anabolizantes vai um pulo, imaginando que nobreza é ficar parecido com os espartanos caricatos de Zack Snyder. Outro traço bastante evidente, e também fruto de uma deturpação de outras noções de Evola, é o ódio aberto e escrachado ao feminino. Claro, para eles as mulheres podem ser "guerreiras" também, superando o "defeito" inerente ao seu sexo.


O erro se intensifica quando tentam justificar seu comportamento apelando para ações de 'nobrezas antigas'. Ora, se um aristocrata de séculos passados estuprava, pilhava cidades e praticava genocídio, por que os atuais não poderiam ser também criminosos e sádicos? Há uma dificuldade de entender que pessoas ou grupos que faziam parte da nobreza social de uma civilização podiam ter atitudes que nada tinham de nobres de um ponto de vista Tradicional.


Este tipo de ''evolianismo" é fruto de uma certa masculinidade insegura e desprovida de referências em um mundo de acelerada transformação. Muitos rapazes ficam confusos por causa do sentimento de deslocamento e alienação em relação à sociedade em que vivem e confundem sua inaptidão de se adequarem ao mundo com alguma forma de superioridade moral ou espiritual.


Imaginam que se o mundo não presta, se é "degenerado", e eles não encontram modo de interagir de modo saudável com seu entorno social, deve ser porque são especiais em algum sentido bastante positivo. Desejam acreditar que sua fragilidade é no fundo uma força mística: estão de algum modo acima da corrupção que engole a época em que vivem. Não é tão diferente assim do sentimento do Nerd 4Chan com discurso misógino e que gostaria de praticar terrorismo parodiando um "ato sagrado". Alguns evolianos são 4Chan com pouca coragem pra chegar a certos atos extremos, e que compensam a frustração com uma retórica ''para chocar'', feita não mais em grotões quase invisíveis da Internet, mas no terreno público.

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