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106 anos de Jackson do Pandeiro


O cordelista Leandro Gomes de Barros, na “História do Boi Misterioso”, descreve o nascimento de um touro indômito e endiabrado na data consagrada a São Bartolomeu, 24 de agosto. Muito embora nascido em um 31 de agosto, José Gomes Filho pode ser considerado uma das personagens excêntricas associadas a esse período, pois ele tinha bastante dos heróis picarescos, célebres por suas reinações, também filiados ao mal-afamado 24 de agosto e ao Maiorial, tomando de empréstimo o que disse Mário de Andrade a respeito do coquista norte-rio-grandense Chico Antônio, a respeito do qual corria a lenda de que tinha parte com o Tinhoso.


Câmara Cascudo, em “Vaqueiros e Cantadores”, afirma que a poesia tradicional sertaneja tem os seus melhores motivos no ciclo do gado e no ciclo dos cangaceiros. José Gomes Filho, que odiava Lampião, tampouco era sertanejo, fez de uma espécie de ciclo do sapo do Brejo Paraibano o símbolo de uma música que se libertava por meio de uma síncope e divisão rítmica que subvertem o tempo linear, e cuja métrica é fechada talqualmente uma remodelação operada por um Demiurgo. É o sapo-cururu que Bandeira opõe ao retesado, ao quadrado sapo-tanoeiro.


José Gomes odiava Lampião, mas tornou-se José Jackson, Zé Jack e, por fim, Jackson do Pandeiro, em homenagem ao ator de westerns Jack Perrin – talvez por identificar os facínoras dos westerns com os cangaceiros, bem como os cowboys interpretados por Perrin com os antagonistas dessa modalidade de banditismo que lavrava no NE. No entanto, Jackson do Pandeiro era mais da estirpe do herói picaresco pedro-malasártico, dava de ombros para os valentões habitués nos forrobodós e nas gafieiras, e se afirmou por meio da manha no pandeiro e do coco característico do Brejo Paraibano e da Borborema Potiguar.


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Peço licença para evocar novamente um comentário de Andrade a respeito de Chico Antônio, um coquista do litoral. Para o expoente modernista e musicólogo, Chico Antônio quintessenciou o jeito nosso de cantar nasalizado, um “nasal caju”. Esse “nasal caju” em Jackson do Pandeiro é o do Brejo Paraibano, ao passo que o do coquista potiguar é o do doce litoral do RN.


Um jornalista americano que classificou o forró de country brasileiro nascido no Sertão nordestino, defendendo, por conseguinte, que samba e bossa-nova são as faces internacionais da nossa música, não entendeu que o “nasal caju” de Jackson do Pandeiro também se fixa, como nódoa indelével dessa fruta, na bossa, em particular na música de João Gilberto, cuja escola de canto é tributária da do Demiurgo paraibano, como o dizia o próprio ícone baiano.


Sem incorrer em antiamericanismo chinfrim, panfletário, Jackson concebeu uma obra que, conquanto não fosse caricaturizadamente avessa a determinadas influências estrangeiras, se cimentava na tradição viva dos cocos e emboladas cantados pela sua mãe, no solfejo mavioso dos ventos que bafejam no seu Brejo e, sobretudo, em um Brasil alegre, parafraseando “Um Nordestino Alegre”, título de um dos seus últimos álbuns.

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