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A França enviará tropas para a Ucrânia? A retórica cada vez mais agressiva de Macron

Muito se tem falado sobre as últimas declarações mais belicosas (“hawkish” como dizem os americanos) do Presidente francês Emmanuel Jean-Michel Frédéric Macron sobre o conflito ucraniano. Alguns portais de notícia chegaram, esta semana, a informar (falsamente) que as tropas francesas já se encontravam na Romênia “a caminho” de Odessa (Ucrânia). Como que em resposta a todo o burburinho, Macron esclareceu ontem [14 de março de 2024], durante uma entrevista à televisão nacional francesa TF1 e a France 2, que, no que diz respeito ao envio de tropas, “hoje não estamos nessa situação”, contudo acrescentando, de forma bastante vaga, que “todas essas opções são possíveis” - embora tenha se recusado a descrever em que circunstâncias Paris estaria pronta para tomar tais medidas.

 


Não é a primeira vez que o Presidente francês faz declarações (bastante ambíguas) sobre o envio de tropas - e depois meio que as nega,sem desmenti-las totalmente…

 

Segundo o Le Monde, no dia 21 de fevereiro, no Palácio do Eliseu, sentado, “com um copo de whisky na mão”, Macron disse a um punhado de convidados: “em qualquer caso, no ano que vem, vou mandar gente para Odessa” (“De toute façon, dans l’année qui vient, je vais devoir envoyer des mecs à Odessa”). Não está claro, entretanto, se o copo de uísque em questão teve algum papel na suposta fala do Presidente. A reportagem do Le Monde não esclarece isso.

 

Seja como for, em 26 de fevereiro, cinco dias depois, desta vez sem qualquer uísque à vista, após sua reunião com mais de vinte líderes ocidentais (incluindo o Chanceler alemão Olaf Scholz, o Presidente da Polônia Andrzej Duda, o principal diplomata dos EUA para o continente europeu James O'Brien e o Secretário David Cameron, o diplomata britânico encarregado da pasta Europa), Macron disse que “a derrota da Rússia é indispensável para a segurança e estabilidade na Europa” e, portanto, “faremos tudo o que for necessário para que a Rússia não possa vencer a guerra”. O Presidente francês também afirmou, de forma bastante vaga, mais uma vez, que “não devemos excluir a possibilidade que haja uma necessidade de segurança que justifique algum tipo de envio de tropas”. Ele acrescentou, porém: “Não há consenso hoje sobre enviar tropas oficiais para o campo. Mas, em termos de dinâmica, nada pode ser descartado.” Não forneceu mais detalhes, acrescentando que Paris prefere manter a “ambiguidade estratégica”.

 

Em outras palavras, a declaração de Macron em fevereiro equivale dizer que tal cenário (tropas ocidentais em solo ucraniano) não pode ser descartado, mas sem especificar em que condições. De qualquer forma, essa fala, hipotética e retórica, causou bastante agitação e foi prontamente refutada por outros líderes da OTAN. O Presidente americano ressaltou que fornecer ajuda militar a Kiev é o verdadeiro “caminho para a vitória” e um comunicado da Casa Branca acrescentou que “o Presidente Biden deixou claro que os EUA não enviarão tropas para lutar na Ucrânia” – para tirar qualquer dúvida. No final das contas, para Washington, sempre se tratou de uma guerra de atrito por procuração.

 

Na mesma toada, o Chanceler alemão Olaf Scholz disse que a posição acordada pelo Ocidente permanece a mesma, ou seja, nenhum Estado membro da OTAN enviará tropas para o país eslavo. O porta-voz do primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, por sua vez, afirmou que o Reino Unido não tem outros planos senão empregar uma pequena equipe para dar treinamento às forças ucranianas, como já faz atualmente - e vários outros líderes ocidentais ecoaram o mesmo posicionamento. Um diplomata não identificado, citado pelo Le Monde, resumiu o efeito das declarações de Macron (feitas em fevereiro) da seguinte forma: “[é] uma manobra diplomática catastrófica. Quando você realiza reuniões em seu país, você deve buscar o consenso.” No meio do alvoroço, a visita planeada de Macron à Ucrânia foi, mais uma vez, adiada.

 

Esta retórica “hawkish” (belicosa) contrasta imensamente com o posicionamento anterior do Presidente francês. Ainda em Junho de 2002, ele afirmava que, mesmo em caso de uma vitória militar ucraniana, “não devemos humilhar a Rússia para que, quando os combates cessarem, possamos construir uma saída através dos canais diplomáticos”, e acrescentando que “eu estou convencido de que o papel da França é o de ser uma potência mediadora”. Naquela altura, foi criticado pelos seus colegas por ser demasiado “brando” com Moscou. Muita coisa mudou.

 

Qual seria o raciocínio estratégico de Macron ao fazer tais declarações? Pierre Schill, chefe do Estado-Maior do Exército francês, foi recentemente citado como tendo dito que “o que o Presidente da República diz é antes de mais nada uma mensagem política e estratégica. O objetivo principal é sinalizar [para a Rússia] determinação e compromisso de longo prazo [com a causa].” Entretanto, tal sinalização revelou-se um fracasso diplomático no Ocidente e não teve boa repercussão interna: de acordo com as sondagens, o povo francês em geral rejeita a ideia de enviar tropas para a Ucrânia.

 

De acordo com uma pesquisa da Odoxa, 68 por cento dos franceses que participaram da sondagem afirmaram que os comentários do presidente francês sobre o assunto estavam “equivocados”. É preciso manter em mente que, ainda em 2022, a candidata presidencial francesa Marine Le Pen, que perdeu para Macron, mas chegou ao segundo turno das eleições, prometia retirar a França da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) - e, ao fazê-lo, é bom lembrar, estava simplesmente seguindo os passos do general Charles de Gaulle. Como escrevi antes, foi o presidente Nicolas Sarkozy, após 43 anos, quem finalmente pôs fim ao “alienamento” de Paris em relação à Aliança Atlântica em 2009 – não faz tanto tempo assim.

 

Para Moscou, tal demonstração retórica de força por parte do chefe de Estado francês, com toda a sua “ambiguidade” e reviravoltas, pode soar como apenas uma espécie de blefe.

 

As declarações “hawkish” de Macron, estrategicamente ambíguas ou não (e com ou sem um copo de bebida na mão), devem ser sempre encaradas com alguma desconfiança por um motivo simples, a saber, o Artigo 5 do Tratado da OTAN, que afirma que “as Partes concordam que um ataque levada a cabo contra uma ou mais delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque contra todas as partes e, consequentemente, concordam que, se tal ataque armado ocorrer, cada uma delas… ajudará a Parte ou as partes assim atacadas e tomarão… as medidas que considerem necessárias, incluindo o uso da força armada, para restaurar e manter a segurança da área do Atlântico Norte.” Trata-se de assunto sério: é o cerne do pacto transatlântico, a sua raison d'être, na verdade. Os artigos 3.º, 4.º, 6.º e 9.º são todos relacionados com as disposições do artigo 5.º, que o próprio website oficial da OTAN descreve como a “pedra angular” da Aliança. Não é de se admirar que a expansão da OTAN continue a ser uma das principais causas profundas da crise atual na Ucrânia.

 

Deixando todo o burburinho de lado, Macron e a sua equipe também certamente levam a sério o Artigo 5.º, e é bastante improvável que a atual presidência francesa esteja disposta a entrar em conflito direto com Moscou, deslocando as suas tropas para a zona de combate. Ao fazê-lo, arrastaria junto consigo toda a OTAN rumo a um conflito potencialmente global entre Grandes Potências, aumentando assim o risco de uma guerra termonuclear mundial. Como o centro de gravidade das tensões globais tem se deslocado, mais uma vez, para o Oriente Médio, não há qualquer razão para cogitar isso.


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