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A Nova Nakba

Segundo a ONU, o deslocamento de um milhão de pessoas do norte para o sul de Gaza, onde vivem também mais de um milhão de almas, é ''impossível sem consequências humanitárias devastadoras".


O governo israelense, que já culpou o Hamas pelo desastre humanitário na região, lavando assim as mãos do que possa acontecer por bombardear, invadir, ocupar e manter a região sem eletricidade e água, mantém o ultimato que termina nesta sexta-feira.

A ordem vem sendo comparada a uma nova Nakba, a limpeza étnica praticada pelos sionistas durante a primeira guerra árabe-israelense, em 1948. Por muito tempo negada pelos defensores de Israel, sua existência foi demonstrada pelas pesquisas históricas.


O negacionismo israelense da Nakba era acompanhado por uma consideração cínica: a saída dos palestinos de seu território teria sido ''voluntária''. Não duvido nada que os defensores do expansionismo sionista façam alegação similar em relação à expulsão dos palestinos do Norte de Gaza.


A Nakba foi um imperativo para os sionistas, já que Israel foi projetado para ser uma etnocracia. A partilha da ONU visava manter uma leve superioridade numérica dos judeus sobre os palestinos no território de Israel [51% a 49%], o que não era fácil, já que mais de dois terços da população da região era árabe.


Daí porque Israel, cuja legitimidade se fundamenta, em parte, em um suposto ''direito de retorno'' dos judeus à Sião, nunca reconheceu o direito de retorno dos refugiados palestinos e seus descendentes, que hoje somam mais de quatro milhões de almas, a maioria deles refugiados de segunda e terceira gerações.


O direito de retorno dos refugiados palestinos foi aprovado pela Resolução 194 da ONU, em 1948. Israel nunca a cumpriu, argumentando que ela coloca em risco seu caráter ''judaico'', ou seja, seu objetivo de se manter uma etnocracia em que os direitos plenos de nacionalidade são conferidos apenas aos judeus. Repito, no entanto, que na partilha aceita pelos sionistas, os palestinos eram 49% da população.


Depois da Guerra dos Seis Dias, Israel se viu diante de um dilema: a ocupação ilegal de territórios era acompanhada da população que neles vivia. A esquerda sionista, que não reconhecia a existência de um povo palestino, preferia usar essas ocupações como moeda de troca para conquistar a paz com os vizinhos. Já a direita nunca escondeu a intenção expansionista, pregando a expulsão gradual dos palestinos e a formação de centenas, de milhares de assentamentos judaicos para garantir a colonização.


Para a esquerda israelense, a Guerra dos Seis Dias colocou fim ao ''belo Israel''. Mas o belo Israel de David Ben Gurion e do socialismo dos kibutzim era também a etnocracia que promoveu a Nakba e que negou o direito de retorno dos refugiados. O problema do sionismo é muito mais profundo do que essa divisão ideológica permite supor, vai muito além de Jabotinsky, do Irgun e agora do Likud.


O sionismo nunca conseguiu se livrar das máculas de sua origem. Um estrito nacionalismo étnico e o abraço ao imperialismo. A máxima de que apenas lutavam por ''uma terra sem povo para um povo sem terra'' se revelou, no fim das contas, uma busca por negar a existência coletiva dos palestinos e substituí-los na região em que habitavam há séculos.


A ordem da IDF para que os habitantes de Gaza se amontoem todos no sul da Faixa, sem quaisquer considerações de ordem humanitária ou sem necessidade de seguir o ordenamento jurídico internacional, é só mais um episódio dessa imensa tragédia. Israel nasce como símbolo dos direitos humanos, como resposta ao holocausto. Mas o país nunca esteve, infelizmente, à altura deste desafio, e com isto substituiu a esperança que muitos carregavam na fundação do país por um agudo e doloroso constrangimento que aparenta não ter fim.

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