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É preciso, ainda hoje, colonizar o Brasil

O Estado brasileiro nunca esteve verdadeiramente presente nas favelas. Elas são como o sertão na época no cangaço: um lugar que precisa ser alcançado



"Quando falo colonizar não digo modernizar, no sentido que as cidades brasileiras se modernizaram. Escrevi sobre como as favelas foram uma irrupção do espaço das cidades tradicionais (ou medievais) em meio à modernização das cidades do nosso país".

Por vinte anos Lampião, o rei do cangaço, viveu no interior do Nordeste brasileiro com sua horda de bandidos devastando, pilhando, roubando e matando. Ele não era um caso isolado, muitos outros antes viveram no cangaço, o que remonta a tempos imemoriais no sertão do Brasil – durante o período da colonização holandesa no Nordeste menciona-se a existência de grupos de bandidos com desertores estrangeiros, escravos fugidos e brasileiros.


Lampião na verdade foi o mais famoso dos cangaceiros, ele criou em torno de si toda uma mística, uma aura de invencibilidade, e criou uma estética totalmente original e impecável, com cores vibrantes.


O fato é que na época o interior do Brasil não havia sido propriamente colonizado e civilizado. Esse foi um dos motivos da construção de Brasília: ocupar o interior do Brasil, cujo desenvolvimento se dera principalmente no litoral. É o famoso caranguejismo – uma referência ao caranguejo, que vive ciscando a praia. No livro A Cidade no Brasil, Antonio Risério faz uma crítica a essa visão: na verdade, ocupar o litoral de um país do tamanho do nosso – maior do que o Império Romano no auge – não foi pouca coisa. Adentrar e colonizar o interior também não, muito menos a área do estado de São Paulo, protegida por uma enorme muralha de pedra – muita gente morreu para chegar ali.


O Censo 2022 divulgado ontem mostra que a população brasileira começou a diminuir em algumas grandes capitais como Rio de Janeiro e Salvador. Talvez seja o começo da inversão de uma constante na história brasileira: a concentração urbana.


Quem viaja pelo interior do Brasil nota a quantidade de espaços vazios e desocupados que existem, e ao mesmo tempo o inchaço das grandes cidades. E a população do interior – diferentemente de países desenvolvidos – não tem acesso a bens de consumo e bens culturais como nas capitais. Se existe um projeto válido de país é o de levar ao interior o acesso a tais bens, e facilitar a integração da capital com o interior.


Quando falo colonizar não digo modernizar, no sentido que as cidades brasileiras se modernizaram. Escrevi sobre como as favelas foram uma irrupção do espaço das cidades tradicionais (ou medievais) em meio à modernização das cidades do nosso país.


Escrevi isso antes de ler no livro de Risério visão semelhante. Ele diz que na “era das demolições” (título do livro de Oswaldo Porto Rocha), que teve por objetivo modernizar os centros das grandes cidades brasileiras, a destruição de grande quantidade de casas e cortiços onde moravam pessoas pobres gerou uma imensa quantidade de desabrigados – o que produziu um apartheid social. “Bem vistas as coisas, a favela aparece não como a negação, mas como a outra face do projeto modernizador excludente”, diz ele.


O Estado brasileiro nunca esteve verdadeiramente presente nas favelas. Elas são como o sertão na época no cangaço. Um lugar que precisa ser colonizado e civilizado. Precisa de saneamento, pavimentação, arborização, policiamento. Não é à toa que o pensamento da moda na esquerda brasileira é a história decolonial – um anglicismo, o correto é descolonial – e uma das coisas que a esquerda identitária mais fortemente se opõe é à presença do estado nas favelas, especialmente a polícia.


O problema do Brasil não é a colonização, o problema do Brasil é que a colonização do país nunca aconteceu por completo, nem mesmo dentro das cidades. O Estado pode ter um papel importantíssimo na ocupação e tomada de posse verdadeira do território brasileiro.


Nota do Sol da Pátria: No texto acima, o autor parece usar o termo “colonizar” de forma provocativa - vide ainda as diferentes acepções do verbo “colonizar” e do substantivo “colônia”. A SdP defende a soberania e independência do Brasil em todos os níveis. Contudo, concordamos que, no Brasil, “falta Estado” e que o Estado possui uma importante missão civilizatória na construção da nação a serviço do povo brasileiro.

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