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Javier Milei, misticismo, trumpismo e sionismo

Javier Milei, que venceu as primárias na Argentina, tem sido chamado de "Bolsonaro argentino" e foi enquadrado no rótulo de "extrema-direita". Não é pelo conservadorismo pessoal que o candidato recebe essa alcunha. Milei tem discurso, na verdade, bastante libertário: promete acabar com o Banco Central, dolarizar de vez o país, privatizar toda a Educação e a Saúde; não vê problema algum no reconhecimento de relações homoafetivas nem na descriminalização das drogas ou venda livre de armas, e já defendeu até o comércio de órgãos. O sujeito é tão anarco-capitalista que considera até normal que os pais comercializem os próprios filhos, embora assuma que é um debate difícil de se levar adiante hoje em dia.



Evidentemente, também construiu uma imagem de 'outsider' do mundo político-partidário tradicional, que ele considera formado por uma "casta" perniciosa responsável por décadas de "decadência" do país. Milei vende a imagem de "anti-sistema".


A face mais conservadora - ou melhor, reacionária - da chapa vem da candidata a Vice-Presidente Victoria Villarruel, também importante na coalizão ultra-liberal "La Libertad Avanza". Neta de militares diretamente envolvidos com o regime militar e a Guerra das Malvinas, Villaruel é a ponte com movimentos como o Vox espanhol e o trumpismo. Ela lidera uma fundação, a Oíd Mortales, que copia o slogan do ex-presidente ianque. ["Fazer a Argentina grande novamente"]. Villaruel desfila os mesmos jargões anti-comunistas e pró família, liberdade etc., que são típicos do reacionarismo da região. Ela milita também contra a legalização do aborto, que já prometeu revogar.


Esse conservadorismo contraditório, mistura de libertários e reacionários, não parece se basear muito na militância cristã. A Argentina também está mergulhada em uma rápida transição religiosa: a proporção de católicos na população despencou de 91% para 62% entre 1971 e 2019. Os evangélicos crescem aceleradamente: eram 9% há quinze anos, e hoje já passam de 15% [proporção em que estavam no Brasil no ano 2000], embora isso ainda não tenha consolidado um movimento conservador-religioso sólido, atuante e capilarizado como ocorreu em nossas terras.


Contudo, isto não quer dizer que a espiritualidade seja um elemento menor da candidatura. Já apontei em outras ocasiões que o laicismo é mero discurso público - na prática o mundo está mergulhado em esoterismo, misticismo, magia e devoções. Milei só não se converteu ainda ao judaísmo por considerar a prática séria da religião incompatível com seu sonho de exercer as funções de Presidente da República. Recentemente, visitou em segredo a tumba do importante Rabino Menachem Mendel Schneerson, em Nova Iorque, liderança hassídica que era tida como o Messias por parte de seus seguidores. O candidato estuda a Torah diariamente com um rabino argentino, de nome Axel Shimon Wahnish, e que lhe aconselha a buscar nos textos sagrados judaicos soluções para a economia do país. Milei já avisou que, uma vez eleito, vai reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, país que considera, assim como os EUA, um ''aliado natural'' da Argentina.


Mas o misticismo do candidato é muito mais complexo, profundo e fascinante que o de Bolsonaro. Segundo biografia não autorizada, publicada recentemente, Milei pratica necromancia e formas de xamanismo para se comunicar com outras espécies e seres - principalmente com seus cachorros, que dizem ser clones de outro pet anterior. Os cachorros receberam nomes de famosos economistas liberais (Friedman e Rothbard) e parecem funcionar como médiuns para que Milei entre em contato com personalidades importantes do além. Os animais são parte de um "gabinete secreto", a partir do qual o candidato receberia orientações do outro mundo.


Parece que ele leva bastante a sério essas comunicações, e alega já ter tido contato com Murray Rothbard, contemplado a Ressurreição de Cristo e recebido uma missão divina do próprio UNO. [Deus?]. Portanto, Milei se considera uma espécie de Messias. Para estas comunicações, ele depende de telepatas. Dentre eles, sua irmã Karina, que também joga Tarô. Ela exerce um papel central em toda a agenda e campanha do candidato, concentrando funções e se notabilizando como verdadeira eminência parda.


Misticismo, práticas esotéricas, trumpismo, sionismo, alianças com movimentos reacionários do militarismo, anarco-capitalismo radical, ataques ferrenhos ao establishment político-partidário. Eis aí a salada que está fazendo sucesso na Argentina nesses dias sombrios.

NOTA DA FRENTE SOL DA PÁTRIA: Na Coreia do Sul, um escândalo envolvendo a senhora Choi (chamada de "Rasputina"), uma espécie de vidente xamânica e líder de um culto, acabu por derrubar a presidente sul-coreana Park Geun-hye, em 2017. A presidente, no caso, era aconselhada pela vidente e alegava-se que as entidades espirituais estariam de facto governando o país. De fato, se engana quem pensar ser razoável menosprezar a influência, inclusive na alta política,de fatores místicos e espirituais e crenças do tipo, mesmo "em plena modernidade".

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