Desnecessário repetir que a cerimônia de Abertura de um evento olímpico tem, entre outros fins, proclamar um projeto de país, de sociedade. É uma declaração de intenções que apela ao imaginário, que mergulha em símbolos, e que pode ou não ser concretizada por políticas específicas no dia a dia.
Quando se trata de Paris, este projeto tem uma especificidade, que é sua amplitude civilizacional. A França se percebe como origem dos valores iluministas que fundam e orientam a Europa Moderna. Nada mais óbvio que se veja também como a guia capaz de levar o continente e seus satélites ao mundo pós-moderno.
A cerimônia de Paris 2024 foi um grito em prol dessa distopia, com todos os componentes que o modelam, e alguns símbolos – outros diriam ‘’inversões simbólicas’’ – bastante impactantes.
A festa não se deu em um estádio olímpico, mas espalhada por diversos pontos da cidade. De modo algo contraditório para uma cidade que se pretende o centro de toda uma civilização, a pós-modernidade se quer fragmentada, crítica da própria noção de centro, que nada mais seria que expressão de determinada hierarquia. E o discurso do "maravilhoso" mundo pós-moderno é que toda hierarquia é maligna, opressiva, genocida.
As delegações nacionais, assim, não são mais o foco do espetáculo, mas passageiros em barcas que atravessam um rio. O passado cristão é vilipendiado por paródias da Santa Ceia em que Cristo e os Santos Apóstolos são substituídos por drag queens que apelam, de forma provativa, para imagens de deusas da fertilidade, e por uma caricatura de Baco/Dioniso (deus do vinho) - com, note-se, uma criança em meio a todo esse “amor” (no sentido de Eros). A nova Paris se fantasia, assim, de “diversa” no sentido woke do termo "diversidade": um caleidoscópio de identidades anti-essencialistas que gravitam em torno do máximo hedonismo que um mercado sem restrições morais é capaz de criar.
Durante toda a cerimônia, uma figura sem rosto sequestra a tocha e depois a bandeira olímpica, cavalgando pelo Rio Sena como um Nazgül saído das páginas de Tolkien, uma distorção tanto de Joana D’Arc quanto de Marianne. A figura entregou a bandeira, que foi hasteada invetida, de cabeça para baixo.
Que um evento de discurso tão "inclusivo" escolha se tornar mera propaganda de ideologias que representam uma fatia mínima dos países envolvidos no esporte não parece incomodar os organizadores. A agenda woke é elitista, autoritária, impositiva: criminaliza e cancela todos os que discordem de seus dogmas. O novo juramento olímpico, que acrescenta termos caros ao identitarismo pós-moderno, bem como o uso cada vez mais comum dos Jogos em prol da geopolítica ocidental dá o tom de um movimento que caminha para quebrar os alicerces da ordem liberal contemporânea, da qual organizações como o COI e a FIFA são partícipes importantes.
O novo mundo pós-moderno imagina que está “bombando” (ou "lacrando"?). Mas pelas ruas de Paris, a maioria esmagadora do mundo pôde enxergar o Rei nu.
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