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Salve o Almirante Negro: 143 anos de João Cândido


“Há muito tempo

Na praia da Guanabara

O dragão do mar reapareceu”


João Cândido Felisberto, também conhecido como “Almirante Negro”, nasceu em 24 de junho de 1880, em Encruzilhada do Sul, RS. Filho de ex-escravizados, mas nascido de Ventre Livre (Lei nº 2040-1871), aos dez anos de idade João mudou-se para Porto Alegre sob os cuidados do Almirante Alexandrino Alencar, amigo da família dos patrões do pai de João.


Já aos quatorze anos, João ingressa na Marinha Brasileira como “grumete”, por indicação do Almirante Alexandrino. A Marinha Brasileira da época tinha como cultura trazida desde os tempos do Império, e ainda em vigor nos primeiros anos da República,o recrutamento de seus quadros mais rebaixados jovens pobres – em sua maioria negros e pardos – que muitas vezes eram indicados pela própria policia para se afastarem das ruas.


Aos quinze anos, o grumete João foi enviado para servir no Rio de Janeiro, onde, já despontando seu espírito de liderança, passaria se destacar dos demais grumetes; com 20 anos, já se tornara instrutor de aprendizes-marinheiros.


"Aos que hoje reconhecem em João Cândido Felisberto, o “Almirante Negro”, um herói popular brasileiro, cabe rememorar, contar a história e inspirar a geração atual, e as que virão. Mudar o curso da história exige coragem, força e, às vezes, uma grande dose de indisciplina. Porém, contra a iniqüidade, a desonra e a manutenção de uma lógica que divide quem mereça ou não respeito e dignidade no trabalho, nem a força deve ser desconsiderada".

Com vinte e nove anos, recuperado de uma tuberculose que contraíra na missão em que o Brasil disputava com a Bolívia o território do Acre, João foi destacado junto a outros marinheiros para a Inglaterra com o intuito de lhes familiarizarem com o moderno navio de guerra brasileiro batizado de Minas Gerais. Esta viagem seria uma virada na vida de João e, por que não, da Marinha Brasileira, pois, a marinha inglesa daquela época era composta pelos marujos mais politizados e organizados do mundo; e, vendo como aqueles companheiros de farda eram tratados pelos seus superiores, João e seus compatriotas passaram a ver como eles próprios não tinham o mesmo tratamento em terras brasileiras.


Voltando ao Brasil, a mais revoltante e indigna conduta que os marinheiros passaram a repudiar, e se organizar para pôr fim, era a da chibata como forma de manter a disciplina a bordo. Mas vale destacar que essa forma de punição se aplicava somente aos postos de baixa patente.


As insatisfações ganhavam a tropa e arregimentavam cada vez mais seguidores. Percebendo que João se destacava entre os lideres, e não querendo aprofundar ainda mais a crise, as autoridades o convocaram ao Palácio do Catete para uma conversa com o então presidente Nilo Peçanha, que tentou trazer João para o seu lado. A principal reivindicação: o fim da chibata! Porém, não houve acordo e a chibata continuou a ser usada.


O fato que mudou definitivamente a vida de João Cândido, e a própriaMarinha Brasileira, se deu em 16 de novembro de 1910, quando o marujo Marcelino Menezes foi condenado à hedionda pena de 250 chibatadas por embarcar no encouraçado Minas Gerais com duas garrafas de cachaça e, posteriormente, agredir a navalhadas o seu delator, o que era inadmissível pelos comandantes. Após a cena dantesca que vitimava Marcelino – cena esta acompanhada por rufos de tamborese tendo 107 oficiais – filhos letrados da classe dominante brasileira – e 877 marinheiros – a plebe a quem era permito qualquer abuso – como platéia, a situação se tornou insustentável. No dia 22 do mesmo mês, os marujos, sob a liderança de João, começaram a insurreição que ficou historicamente conhecida como “A Revolta da Chibata”.


João Cândido e seus companheiros passaram exigir melhores condições de trabalho e melhor tratamento da parte dos seus comandantes. As exigências eram de melhoria de salários, plano de carreira e a extinção da chibata como modo de disciplina. Para demonstrar força, os insurgentes tomaram o cruzador Bahia, e os encouraçados Minas Gerais, São Paulo e Deodoro e apontaram-no para a baia de Guanabara. O recado era claro: ou se fazia valer suas reivindicações, ou a marujada bombardearia o Rio de Janeiro.


Quatro dias após o inicio, a revolta chegou ao fim com o governo se comprometendo a acatar as exigências dos marinheiros, além de também lhes conceder anistia por seus atos de justa insubordinação. Porém, a promessa não foi cumprida, e, após dois dias, uma perseguição aos que participaram do motim foi levada a cabo. O resultado foi a prisão de vinte e dois marujos na Ilha das Cobras – sede dos fuzileiros navais. Nesse momento, João Cândido ainda não seria preso. Mas não tardou até que sua prisão chegasse, ocorrida após nova revolta declarada em 9 de dezembro, ainda que desta vez tivesse se colocado contra o motim, alegando que este enfraqueceria o movimento dos marujos.


Cândido foi então encaminhado para a Ilha das Cobras, na qual foi trancafiado com mais 17 presos numa cela em 24 de dezembro. Ao abrir a cela, em 26 daquele mês, a cena que se viu foi infame. Dos dezoito homens que haviam sido presos, apenas dois ainda estavam vivos, sendo João um deles. O massacre se dera por uma reação química: João e seus companheiros haviam sido colocados em uma minúscula cela que houvera acabado de ser desinfetada com água e cal, mistura que,uma vez seca, se transformara na poeira mortífera que mataria quase todos ali. A cena de seus companheiros morrendojamais abandonaria sua memória.


João ainda se animaria com a política nacional algumas vezes. Tendo o histórico revolucionário em sua vida, não foram raras as vezes em que foi procurado por lideres políticos. Cândido acompanhou com entusiasmo o nascimento do grupo de esquerda Aliança Nacional Libertadora. Um pouco depois, também viu com otimismo o surgimento da Ação Integralista Brasileira, chegando a se filiar ao grupo de Plínio Salgado. Mas a decepção com o grupo Integralista não tardou a chegar, e João se afastou definitivamente da política.


Por fim, o “Almirante Negro” morreu em 1969, aos 89 anos, vitima de um câncer no intestino. Em vida – ou depois dela – João jamais teve seu nome reconhecido pela Marinha Brasileira. Pelo contrário: a história oficial da Marinha relega a João e seus companheiros o esquecimento. Não são mencionados nem como um exemplo que não deva ser seguido. É como se aqueles corajosos homens que um dia se revoltaram contra a hedionda regra da chibata jamais tivessem existido.


Aos que hoje reconhecem em João Cândido Felisberto, o “Almirante Negro”, um herói popular brasileiro, cabe rememorar, contar a história e inspirar a geração atual, e as que virão. Mudar o curso da história exige coragem, força e, às vezes, uma grande dose de indisciplina. Porém, contra a iniqüidade, a desonra e a manutenção de uma lógica que divide quem mereça ou não respeito e dignidade no trabalho, nem a força deve ser desconsiderada.


Portanto, citando João Bosco e Aldir Blanc, na música que homenageia João Cândido, “O Mestre Sala dos Mares”, lembremos:


“Glória a todas as lutas inglórias

Que através da nossa história não esquecemos jamais

Salve o navegante negro

Que tem por monumento

As pedras pisadas no cais...”


PÃO, TERRA, TRADIÇÃO!

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