Neste mês de janeiro, comemoramos o aniversário de uma mente repleta de genialidade brasileira: O filósofo Vicente Ferreira da Silva, nascido em São Paulo, no dia 10 de janeiro de 1916. Casado com a poetisa Dora Ferreira da Silva, manteve contato com vários pensadores de sua época, como Guimarães Rosa, Eudoro de Sousa, Miguel Reale (com o qual fundou o Instituto Brasileiro de Filosofia), Vilém Flusser, Agostinho da Silva, Eugen Fink, entre outros. A obra de Vicente é, sem sombra de dúvida, um dos maiores legados filosóficos e ensaísticos da língua portuguesa. Faleceu prematuramente, em um acidente automobilístico na capital paulista, no dia 19 de julho de 1963, o que justifica em parte o silêncio proporcional ao valor de sua obra para a filosofia brasileira. Seus escritos falam por si e basta passar por suas páginas para que se perceba a profundidade de suas reflexões; grande intelectual, colecionador de grandes clássicos literários, Vicente (como um bom brasileiro que é) mestiçou a fenomenologia das consciências em suas obras.
Vicente publicou apenas sete livros: Elementos de lógica matemática (1940), Ensaios filosóficos (1948), Exegese da ação (1949 e 1954), Dialética das consciências (1950), Ideias para um novo conceito de homem (1951), Teologia e anti-humanismo (1953) e Instrumentos, coisas e cultura (1958). Os temas dinâmicos demonstram uma filosofia que dialoga com literatura e poesia, analisando nossas consciências numa abertura para o sagrado, o mágico e o transcendental. Intérprete de Platão, Schelling, Hegel, Hölderlin, Nietzsche, Marx, Heidegger, entre outros bastiões filosóficos, Vicente faz parte de uma corrente que pretende investigar ontologicamente o Ser: o existir, o homem, o divino e tudo que o constitui. É com maestria que ele joga com as percepções e epistemologias das palavras, trazendo à tona epifanias que nos conectam aos planos superiores das ideias verdadeiras.
Suas obras podem ser divididas claramente em três fases distintas, nas quais a segunda e, principalmente, a última fase nos interessam muito. A primeira fase é a da Lógica simbólica/matemática, a segunda aborda temas fenomenológicos/existencialistas e a terceira (e mais madura e profunda) é conhecida como mítico-aórgica. É interessante a jornada filosófica percorrida por Vicente, a mais absoluta antítese dos caminhos progressistas, racionalistas, materialistas e cientificistas da modernidade. O pensamento moderno ilustra como forma de progresso o trajeto que se inicia no homem ligado ao misticismo do mito; em seguida, libertando-se desses elementos, percebe-se enquanto humano e ser-aí no mundo, contemplando e refletindo sobre o que significa essa natureza. Esse é o filosofar que conduziria à descoberta da razão. Já Vicente partiu de um pensamento puramente racional e matemático, passou por um mergulho na alma humana e finalmente se elevou até à sacralidade do divino.
“Não se pode captar o que é o homem, quer colecionando suas qualidades ônticas, quer apelando para um poder interno ou subjetivo; o modo de aproximação da humanitas do homem consiste na visualização de uma dimensão ek-esistencial e transcendente...
...Esse transcender projetando do Ser manifesta-se como um poder livre, como uma liberdade que funda e institui o espaço e manifestação do Ente. Não se deve, entretanto, confundir essa liberdade individual do eu e do tu, em seu jogo dialético condicionado. É daquela liberdade original que o eu e o tu recebem o espaço de seu movimento optativo. A dimensão do Ser é justamente a dimensão desse poder livre e projetante de um mundo, dimensão onde descobrimos uma liberdade mais original que a liberdade do eu singular.” (Dialética das Consciências- Vicente Ferreira da Silva 1964)
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