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Foto do escritorUriel Araujo

Ainda sobre a tentativa de golpe - quais serão as consequências para o Brasil?


A Polícia Federal brasileira prendeu cinco autoridades em 19 de novembro. Eles são acusados ​​de terem planejado um golpe para derrubar o governo do então recém-eleito presidente Luis Lula em 2023. Outras autoridades militares e políticas importantes estão sendo investigadas. Os co-conspiradores supostamente estavam trabalhando com uma série de cenários, que incluíam planos para sequestrar ou assassinar o presidente Lula, bem como seu vice-presidente Geraldo Alckmin, o polêmico Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e outros.


Lula e Trump. Fonte: O Globo
Lula e Trump. Fonte: O Globo

Eles também estavam monitorando e espionando ilegalmente esses alvos. Todos os acusados ​​têm conexões com o ex-presidente Jair Bolsonaro, que tem um histórico de declarações lançando dúvidas sobre a validade das eleições de 2022 (quando concorreu à reeleição e foi derrotado por Lula da Silva, por uma margem apertada). Durante anos, muitos atores políticos diferentes, tanto da esquerda quanto da direita, têm questionado, em contextos diversos, a segurança do sistema de votação eletrônica do Brasil; mas o tema agora se tornou um tabu político.


Fonte: Folha de São Paulo, 01 de outubro de 2000 - https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u7686.shtml
Fonte: Folha de São Paulo, 01 de outubro de 2000 - https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u7686.shtml



Flávio Dino, salvo egano, em 2012 (2min30segundos no vídeo): "enfrentamos esse poder... que nós ganhamos eleição... porque foi necessário fraudar a eleição do Tribunal Regional Eleitoral na calada da noite para conseguir uma diferença de 8..."


Fonte: https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/flavio-dino-tuites-urnas-eletronicas/
Fonte: https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/flavio-dino-tuites-urnas-eletronicas/

Quatro militares de operações especiais foram presos (incluindo um general de brigada aposentado), além de um policial federal. O Juiz (Ministro do STF) Alexandre de Moraes autorizou as prisões, o que normalmente seria considerado, juridicamente falando, uma situação muito peculiar, para se dizer o mínimo, em qualquer sistema legal do mundo (inclusive no Brasil). É que o próprio Moraes também foi um alvo e uma vítima potencial dos supostos crimes - e, portanto, parece natural e intuitivo pensar que ele não deveria atuar em nenhum papel análogo ao de um Juiz Relator em um caso que envolve ele próprio. E, no entanto, é exatamente isso que ele está fazendo.


"À Sua Excelência o Senhor Dr. ALEXANDRE DE MORAES Ministro Relator" - Moraes é o relator da investigação de um plano para capturar ou matar ele próprio
"À Sua Excelência o Senhor Dr. ALEXANDRE DE MORAES Ministro Relator" - Moraes é o relator da investigação de um plano para capturar ou matar ele próprio
Cartaz do filme "Quero ser John Malkovich"
Cartaz do filme "Quero ser John Malkovich"

Eu escrevi alhures sobre os métodos e decisões controversos de Moraes no contexto de sua rivalidade com Elon Musk. As alegações mesmas a respeito de uma conspiração visando lançar um golpe de estado, incluindo o assassinato de Moraes e Lula da Silva, não nenhuma novidade. Elas remontam à invasão do Congresso brasileiro em 8 de janeiro de 2023, quando uma multidão de manifestantes vandalizou o Supremo Tribunal Federal e outros palácios. Na época, o presidente Lula não estava em Brasília e Jair Bolsonaro, por sua vez, estava em Orlando, Flórida, para onde foi antes mesmo do fim de seu mandato. Lá, Bolsonaro tentou se encontrar com Donald Trump, sem sucesso. A maioria dos manifestantes 8 de janeiro de 2023, muitos deles idosos e aposentados zangados (que não portavam armas de fogo), cometeram basicamente atos de vandalismo, mas foram condenados como terroristas domésticos usando-se uma nova definição controversa de "terrorismo" e podem pegar até 17 anos de prisão, como é o caso de Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza (a "Fátima de Tubarão"), de 67 anos de idade.


8 de janeiro de 2023, Brasília (Brasil). Fátima de Tubarão
8 de janeiro de 2023, Brasília (Brasil). Fátima de Tubarão
6 de janeiro de 2021, Washington DC, EUA
6 de janeiro de 2021, Washington DC, EUA


Na época, agindo como guardião da democracia, o Juiz Moraes tomou as medidas mais rigorosas. Eu escrevi antes sobre como um artigo do New York Times de janeiro de 2023 denunciava seus poderes excessivos e abusos (mesmo referentes a muitos outros casos).


'Superpoderes' de Alexandre de Moraes incomodam setores do STF e do MPF - Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/carolina-brigido/2023/05/11/super-poderes-de-alexandre-de-moraes-incomodam-setores-do-stf-e-do-mpf.htm
'Superpoderes' de Alexandre de Moraes incomodam setores do STF e do MPF - Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/carolina-brigido/2023/05/11/super-poderes-de-alexandre-de-moraes-incomodam-setores-do-stf-e-do-mpf.htm

Em 4 de janeiro de 2024, Moraes disse em uma entrevista que a invasão do Congresso e dos palácios (de 8 de janeiro de 2023) era parte de uma grande conspiração, que incluía três planos ou cenários:


O primeiro era que as Forças Especiais (do Exército) me prenderiam em um domingo e me levariam para a cidade de Goiânia. No segundo, eles se livrariam do [meu] corpo a caminho de Goiânia. Nesse caso, não seria realmente uma prisão, mas um homicídio... E no terceiro... depois do golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes [em Brasília].


Então, essa narrativa não é novidade e já era conhecida há mais de um ano. A novidade agora, quase 2 anos após os protestos de 2023, são novos documentos vazados, mensagens e muitas evidências que finalmente levaram até agora à prisão de cinco pessoas. O momento das prisões e da divulgação de alguns dos documentos também é interessante: poucos dias antes, em 13 de novembro, no que parecia ser um protesto de autoimolação de direita, Francisco Wanderley Luiz, um ex-candidato a vereador (do partido político de Bolsonaro), explodiu uma bomba em frente ao Supremo Tribunal Federal. O explosivo não era particularmente poderoso, nenhum dano foi causado a qualquer edifício e ninguém foi ferido - o próprio Luiz foi o único morto.


Moraes alegou que o homem-bomba pretendia realmente explodir o prédio do Supremo Tribunal Federal - embora até agora não tenham sido produzidas evidências de explosivos suficientes para isso. O evento ocorreu alguns dias antes da Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, Brasil. Em uma misteriosa (e suspeita) reviravolta nos acontecimentos, a própria casa do homem-bomba foi incendiada 4 dias depois, e alguns acreditam que pode ser uma tentativa de destruir evidências. A ex-esposa de Luiz está sendo acusada de incêndio criminoso e é suspeita de tê-lo ajudado a planejar seu "ataque" suicida.


Em todos esses casos e investigações, o juiz que supervisiona cada um deles é Alexandre de Moraes. A diferença é que agora Moraes está indo atrás de peixes grandes - não apenas aposentados enraivecidos.


Está bem claro que há duas grandes questões urgentes no Brasil agora: uma delas é o espectro do terrorismo doméstico e uma direita anticomunista radicalizada, que, com razão ou não, acredita que a eleição foi roubada e vê no atual governo de centro-esquerda do Lula uma ameaça "comunista" - e está pronta para empregar métodos violentos e golpistas. Muitas evidências parecem indicar que Bolsonaro pode estar envolvido. O problema é que milhões de brasileiros têm crenças semelhantes e Bolsonaro ainda é uma grande força política no Brasil (e sua família também). Em julho de 2023, ele foi impedido de concorrer a um cargo novamente até 2030 por abuso de poder, torando-se inelegível.


Bolsonaro recorreu contra essa decisão judicial, mas a decisão foi mantida por... (você adivinhou) Alexandre de Moraes. Bolsonaro, em todo caso, estava em diálogo com membros do Congresso para aprovar um Projeto de Lei de Anistia de janeiro para que ele pudesse concorrer como candidato novamente. Mas aí veio o atentado suicida de 13 de novembro - seguido pelas prisões de 19 de novembro. Esses eventos podem ter lançado a pá de cal nas ambições eleitorais de Bolsonaro. E agora ele pode ser preso em breve - o que certamente desencadeará grandes manifestações e protestos em um país polarizado. E pode-se esperar que tais protestos, por sua vez, sejam rotuladas como atos de terrorismo e coisas do tipo.


Eu mencionei antes que o Brasil enfrenta dois grandes problemas (o primeiro sendo a direita radicalizada e golpista). O segundo problema é o que parece ser uma ditadura judicial de facto no país, uma situação que provoca e até alimenta reações (incluindo as violentas, vindas da direita radicalizada já citada). Os dois problemas retroalimentam-se. Ora, o atual ciclo democrático brasileiro é bastante recente e pode ter vida curta. É possível que uma turbulência política venha a se desenvolver e é incero qual seria o impacto disso na economia e na política externa do Brasil.


O governo de Joe Biden “contribuiu decisivamente para a manutenção de Lula da Silva no poder após a tentativa fracassada de golpe atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro”, como afirma Fabiano Mielniczuk, pesquisador do NEBRICS. O diálogo EUA-Brasil, no entanto, estava longe de ser ótimo. Com as nomeações anunciadas por Trump (recém-eleito Presidente dos EUA novamente), a América Latina pode esperar que o monroeísmo americano atinja o continente com mais força. Para piorar a situação, Trump também tem um tipo de relacionamento pessoal com a família Bolsonaro. O atual governo brasileiro pode então ficar sem outra escolha a não ser dar uma guinada “antiamericana” (enquanto aplica medidas antidemocráticas mais duras internamente) e buscar aprimorar ainda mais suas parcerias com atores como a China - em vez de simplesmente tentar “equilibrar” sua política externa como de costume.


Uriel Araujo, PhD (antropologia) é um pesquisador com foco em conflitos internacionais e étnicos.


Texto originalmente publicado em 22 de novembro de 2024. Traduzido e adaptado, pelo próprio autor, de "Consequences of coup and presidential assassination plot revealed in Brazil", (o autor escreveu uma versão mais curta deste artigo originalmente em inglês)



As opiniões expostas neste artigo não necessariamente refletem a opinião do Sol da Pátria



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