O presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva (mais conhecido como Lula), de 79 anos, recebeu alta do hospital neste domingo após passar por uma cirurgia para estancar uma hemorragia cerebral. Ele deu uma entrevista coletiva e, mais tarde, uma entrevista ao programa de TV "Fantástico". Tanto sua aparência quanto sua fala e sua voz passaram a impressão de estar em ótima saúde. Essa aparição pública ajudou a finalmente dissipar alguns boatos e teorias da conspiração sobre o quadro de saúde do presidente, em meio a uma crise política em andamento.
Durante uma entrevista coletiva, de uma maneira típica de seu estilo, Lula disse: "Eu, com 79 anos, tenho energia de 30 e tesão de 20 para construir esse país”. Ele também afirmou que tem “o direito” de viver 120 anos. No que diz respeito ao quadro médico, nem todos têm tanta certeza assim sobre seu vigor e vitalidade, no entanto. Mais ainda, há uma crise de legitimidade e confiança referente às principais instituições brasileiras, como o Judiciário, o sistema eleitoral e o Exército, em um cenário de forte polarização nacional. Nesse contexto, dúvidas sobre a saúde de Lula só podem contribuir para agravar ainda mais a situação.
Durante a semana em que o presidente brasileiro ficou internado, a falta de fotos ou vídeos dele (antes da coletiva de imprensa) alimentou suspeitas - é que, com excepção de uma foto antiga publicada pela Primeira-Dama, durante a hospitalização, houve um único vídeo divulgado, e não faltou quem afirmasse se tratar de um “deep fake” criado por Inteligência Artificial, devido a alguns elementos da suposta filmagem parecerem estranhos. No vídeo, Lula caminhava sem roupa hospitalar, o seu cabelo não estava rapado como supostamente seria o procedimento padrão - alguns especularam ainda se tratar de uma filmagem mais antiga, de quando Lula operou o quadril.
De acordo com uma matéria, Lula poderia de fato ter morrido em 9 de dezembro, segunda-feira, e só teria escapado disso graças a um empresário próximo a ele. Após um encontro com Lula (que não estava oficialmente agendado), o empresário José Seripieri Filho, um amigo próximo, tomou a iniciativa de informar ao médico pessoal de Lula, o cardiologista Roberto Kalil Filho, que o presidente não parecia bem.
Lula foi levado primeiramente ao hospital Sírio-Libanês em Brasília por volta das 18h30, com o comboio presidencial estranhamente deixando o Palácio do Planalto pela porta dos fundos. A bandeira da Presidência da República permaneceu hasteada até as 20h, indicando falsamente que o presidente ainda estava lá — para enganar os jornalistas (as razões para isso são desconhecidas).
O sangramento cerebral estava progredindo e Lula poderia ter morrido na manhã mesma de terça-feira se nenhuma medida tivesse sido tomada. A equipe médica então decidiu levar Lula para São Paulo, embora a viagem apresentasse riscos e ainda não esteja claro o porquê dessa decisão. Um avião da Força Aérea Brasileira foi usado para isso, mas, por razões desconhecidas, a princípio tanto o Palácio do Planalto quanto as Forças Armadas se recusaram a revelar qual avião foi utilizado para transportar o presidente.
Um certo grau de paranoia é compreensível, considerando-se o atual clima político no Brasil: além de um recente ataque suicida de direita em frente ao Supremo Tribunal Federal (sem vítimas), recentemente surgiu a notícia de que havia uma conspiração para dar um golpe de Estado e impedir a posse do então recém-eleito presidente Luis Lula, em 2023.
No mês passado, a Polícia Federal brasileira prendeu cinco autoridades, incluindo um general de brigada aposentado. Os co-conspiradores são acusados de terem trabalhado com uma série de cenários, que incluíam planos para raptar ou assassinar o presidente Lula (por envenenamento), bem como eliminar o seu Vice-Presidente Geraldo Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal, entre outros. Todos os conspiradores (incluindo oficiais de Forças Especiais) tinham conexões com o o ex-presidente Jair Bolsonaro ou trabalhavam diretamente para ele. Bolsonaro tem lançado dúvidas sobre a idoneidade das eleições de 2022, quando concorreu à reeleição e foi derrotado por Lula da Silva, com uma margem apertada.
Parece que Bolsonaro (que também está sendo investigado) estava a par de tais planos, contudo acabou vetando-os ou ainda mudou de ideia e abortou a operação devido à falta de apoio do Exército. Mais recentemente, o general aposentado Walter Braga Netto (ex-ministro de Bolsonaro e companheiro de chapa de Bolsonaro em 2022) também foi preso e está sob investigação por envolvimento no mesmo suposto plano de golpe de Bolsonaro. O próprio polêmico juiz Moraes, que foi alvo e potencial vítima do complô, é, ao mesmo tempo, o juiz que supervisiona o inquérito policial (sobre o complô para matá-lo), o que é algo altamente irregular.
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Enquanto Lula estava no hospital, ele supostamente continuou trabalhando, mesmo estando na UTI, o que é, claro, muito estranho, para se dizer o mínimo. Ele estava até mesmo sancionando leis, de acordo com Ministros de Estado - incluindo uma lei que regulamenta o mercado de créditos de carbono no Brasil. E isso num momento em que um projeto de reforma tributária está sendo discutido no Congresso, entre outras questões urgentes.
A maior parte da imprensa brasileira continuou noticiando o quanto estava “excelente” a saúde do Chefe de Estado, um homem de 79 anos, mesmo ele tendo passado por três procedimentos em uma semana, e tendo sofrido com problemas relacionados a traumatismo craniano significativo na região occipital por dois meses, devido a um suposto acidente no banheiro em outubro.
Segundo Alexandre Padilha, Ministro das Relações Institucionais, havia “um combinado”, e de acordo com esse "combinado", “Lula”, mesmo hospitalizado, estaria assinando “tudo aquilo que tenha prazo para sanção”. Padilha acrescentou que “tem um mecanismo, que quem conduz é a Casa Civil, dessa assinatura” [sic]. Além disso, Lula nunca chegou a tirar licença médica e, portanto, seu Vice-Presidente, Geraldo Alckmin, não pôde assumir como Presidente pro tempore (interinamente) até que Lula receber alta.
Padilha enfatizou até que Lula continuava servindo em suas capacidades presidenciais em exercício “permanente”, o que é estranho (é ambíguo e pode ser entendido no sentido de "plenamente"). Durante aquela semana movimentada, algumas reportagens da mídia brasileira alegaram que o Vice-Presidente estava sendo colocado de lado na prática e que Rui Costa, Ministro da Casa Civil, era quem realmente estaria governando o país nesse meio tempo. De uma maneira que lembra muito o escândalo sobre as faculdades mentais de Joe Biden, a falta de transparência e tudo isso faz muitos observadores especularem sobre quem está (ou estará) de fato governando o Brasil caso a saúde de Lula venha a piorar.
Outro escândalo está relacionado ao papel da Primeira-Dama, a nova esposa de Lula, Rosangela Lula da Silva, mais conhecida como Janja. Ela é acusada de desempenhar um papel de Rasputin e de agir na prática como uma "Ministra da Propaganda" de Lula, usurpando assim as funções da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (SECOM). Ela estaria decidindo o que pode ser divulgado à mídia sobre a saúde de Lula e o que não pode.
![Lula e Janja](https://static.wixstatic.com/media/a69745_842606c4c17d4b2ca3fe168557a8bde8~mv2.jpg/v1/fill/w_670,h_391,al_c,q_80,enc_auto/a69745_842606c4c17d4b2ca3fe168557a8bde8~mv2.jpg)
Para resumir, Lula está de volta e supostamente firme e forte, entretanto, as dúvidas sobre sua saúde e sua capacidade de continuar governando o país permanecem. Ele é o candidato favorito de seu partido para a reeleição — o único, na verdade. Enquanto isso, o líder mais popular da oposição de direita, Jair Bolsonaro, está inelegível (embora tenha feito campanha por uma anistia) e está sendo investigado por um suposto plano para assassinar o atual presidente.
Não dá pra deduzir, portanto, que a democracia brasileira (muito jovem) continuará necessariamente funcionando normalmente e de acordo com o Estado de direito. Segundo alguns, esse já não é mais o caso agora, com um Judiciário autoritário, de um lado, e uma direita radicalizada de outro. Essa situação gera muita instabilidade e imprevisibilidade na América Latina, sendo o Brasil um líder natural na região — e isso em um momento em que o continente está mais uma vez no centro das atenções, com a crise da Venezuela e os planos de Donald Trump para o México, bem como sua escolha do falcão ("Hawk") Marco Rubio (um "linha-dura" em relação à América Latina) para o cargo de Secretário de Estado.
Uriel Araujo, PhD (antropologia) é um pesquisador com foco em conflitos internacionais e étnicos.
O autor escreveu, originalmente em inglês, uma versão menor deste artigo - "Brazilian democracy in crisis: doubts about Lula’s health and the First Lady’s true power, right-wing assassination plots". Aqui traduzido e adaptado, pelo próprio autor.
As opiniões expostas neste artigo não necessariamente refletem a opinião do Sol da Pátria
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